Ilustre pelo seu saber e santidade
Foi um português chamado Feliciano Mendes que, em 1757, levantou às margens do riacho Maranhão, no povoado de Congonhas do Campo, uma cruz de madeira e a imagem do Divino Crucificado. Não demorou para que o lugar se transformasse em um ponto de devoção e romaria, onde mais tarde seria erguido o famoso Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, que viria a abrigar a obra-prima do gênio Aleijadinho.
Foi justamente nesse povoado, então distrito de Ouro Preto, que nasceu Silvério Gomes Pimenta em 1840. Filho de uma humilde família de ascendência africana, primogênito dos cinco filhos do casal Antônio Alves Pimenta e Purina Gomes de Araújo. A vida da família, devido à carência de recursos, sempre foi difícil, mas tornou-se ainda pior com a morte o pai de Silvério, quando este contava apenas quatro anos de idade.
Graças aos esforços de um tio, Silvério consegue, aos nove anos, vaga para estudar no Colégio Lazarista de Congonhas que funcionava junto ao Santuário. A infância pobre e repleta de dificuldades não impediu que obtivesse sólida educação primária e que fosse reconhecido por seus mestres e pares, como o aluno mais dócil e dedicado de todo o colégio. Não demorou demonstrar sinais inequívocos de sua vocação para o sacerdócio. Por volta dessa época, também tornou-se ardoroso devoto da miraculosa imagem do Senhor Bom Jesus.
A partir dos doze anos foi obrigado a trabalhar em uma casa de comércio, pois, apesar da tenra idade, já se tornara o arrimo de sua família. Estudioso, esforçado, não deixou esmorecer seu entusiasmo e seguiu estudando como lhe era possível, à noite e sob pouca luz, em um canto do armazém, onde trabalhava e sempre após um cansativo expediente de trabalho.
Dificuldades financeiras forçaram o fechamento do colégio de Congonhas em 1855. Fato que praticamente inviabilizava o prosseguimento dos estudos de Silvério, fazendo-o aceitar outro emprego, agora em uma oficina de sapateiro. Não haveria porém obstáculos capazes de apagar a chama da vocação em seu coração. Recorreu ao seu padrinho de crisma, o célebre Dom Viçoso que, em sua suprema caridade, mandou chamar o jovem a Mariana.
Entusiasmado, assim que lhe chegou o convite de Dom Viçoso, o jovem Silvério colocou-se a caminho da cidade episcopal. Foram necessários três dias de caminhada para, em 12 de setembro de 1855, chegar às portas do Seminário de Mariana. Foi recebido de forma calorosa por Dom Viçoso que logo pôde perceber no garoto as qualidades e virtudes necessárias a alguém que, como acontecera a ele próprio, decide-se por servir a Deus e à Igreja com entusiasmo e esmero.
Uma vez matriculado no seminário, tornou-se alvo de admiração e afeto de todos os professores e colegas. Não é de se admirar que assim fosse, porque de caráter reflexivo, de espírito bem formado, dócil e afável, sempre de bom humor, recolhido e devoto, porém sem exagero ou afetação, foi simplesmente chegar e imediatamente captou a simpatia de todos que dele se aproximavam. O segredo de tão cordial acolhimento estava explicado na sentença de um grande conhecedor da psicologia humana: quem se faz amigo de Deus chama naturalmente para si a simpatia dos homens[i].
Aluno apaixonado pelo conhecimento, dedicou-se com afinco aos estudos das ciências eclesiásticas e temporais, assim como ao aprendizado das línguas. Segundo relatos de seus contemporâneos, desde os seus primeiros dias no Seminário, foi um aluno de notável dedicação que se servia de quase todo o seu tempo livre para estudar. Foi um leitor voraz, afeito mais às obras que lhe transmitissem conhecimento e que poderiam lhe instruir o espírito, que àquelas de simples deleite momentâneo. Em apenas dois anos após sua chegada ao Seminário, já possuía profundo e sólido conhecimento de latim.
Sendo pobre e aluno gratuito, trabalhou como porteiro do Seminário durante os sete anos até sua ordenação em 1862, aos vinte e dois anos de idade. Ao tornar-se padre, decidiu permanecer no Seminário, agora como mestre e pastor espiritual dos jovens seminaristas. Procedia com aqueles que lá chegavam a cada dia, exatamente da mesma maneira caridosa que, para com ele, havia agido Dom Viçoso, anos antes.
Trabalhador incansável que era, entregou-se de corpo e alma à vida sacerdotal; mesmo às missas cotidianas reservava fervor e celebrava-as com entusiasmo missionário. Jamais deixou de estudar, mantendo a predileção por línguas e pelas trajetórias e textos dos Santos Padres.
Procurava cercar-se de crianças tal como Jesus Cristo, tanto nas missas quanto às portas do Seminário. Dedicava-lhes ensinar o catecismo e apresentar-lhes os Sagrados Evangelhos. Mantinha com os pequenos relação de carinho paternal, contava anedotas, distribuía santinhos, sempre com bom humor e desprendimento. Esse contato direto com as crianças foi um hábito que manteria em todas as suas visitas pastorais, quando se tornou bispo.
Sua vida de intensos trabalhos, dentro e fora do Seminário, acabou por lhe prejudicar a saúde. Tornou-se vítima de terríveis dores de cabeça, o que lhe obrigou um período de repouso, totalmente afastado de suas atividades. Seguindo o conselho de amigos e superiores, acompanhou o então reitor do Seminário, Pe. João Baptista Cornagliato, em uma viagem de férias à Itália. Oportunidade que seria marcante para o Pe. Silvério, pois teria a honra de ser recebido pelo papa Pio IX que, àquela altura, encontrava-se prisioneiro na residência papal em Roma, pelo intolerante governo maçom da Itália de então. Foi abençoado pelo Santo Padre de quem pôde beijar a cruz dos sapatos e com quem dialogaria sobre o Brasil, em perfeito idioma romano. Dom Silvério foi padre conciliar no “Primeiro Concílio” do Vaticano.
Após conhecer a Itália que tanto havia estudado durante toda a sua vida, regressou mais disposto ao trabalho e livre de suas terríveis dores de cabeça. De volta à sua rotina de professor, manteve-se como sempre compreensivo e solícito e, por isso mesmo, bastante estimado por seus alunos. Suas pregações tornar-se-iam célebres, dotadas de extrema correção eclesiástica e proferidas em linguagem pura e clara. Sua argumentação era esmagadora, eivada de conceitos elevados e profundos.
Sob o poder mágico de sua pregação inflamada, confortavam-se os aflitos; pecadores inveterados reconheciam seus erros e vinham derramar no coração compassivo do pregador os segredos de suas consciências abaladas; já os piedosos se estimulavam a se tornarem melhores com a prática das mais elevadas virtudes.[ii]
Na definição de Pio IX, a imprensa é uma missão perpétua, porque se é veiculada em toda parte, a boa doutrina penetra aonde não vai o sacerdote e encontra lugar em todas as casas, seja do rico ou do pobre. Decidido a seguir as palavras do papa e colocá-las em prática, funda, em 1873, em Mariana, sob a bênção de Dom Viçoso, a folha católica periódica “O Bom Ladrão”. Foi o redator principal da publicação trimestral, tornando-a, graças à sua inspirada pena, uma publicação apreciada não somente na província, mas também para além de suas fronteiras, não sendo raro provocar comentários elogiosos no Rio de Janeiro.
O seu primeiro livro publicado e também uma de suas mais notáveis obras foi “A Prática da Confissão” em que discorre sobre o sacramento com propriedade e inspiração. A obra foi muito bem aceita pelos bispos e foi amplamente difundida em todo o país e mesmo no exterior.
Em 1875, morre Dom Viçoso, e Silvério, como vigário capitular[iii], passa a responder pela administração da diocese até que o novo prelado fosse escolhido. Durante dois anos exerceu com brilhantismo as funções que lhe foram delegadas. Deu continuidade à obra de seu amado padrinho e, assim como ele, foi um árduo defensor do fim da escravidão. Foi sempre veemente ao condenar os atos de crueldade dos senhores de escravos e ao recriminar em suas pregações dominicais aqueles que negavam aos seus escravos a oportunidade e liberdade para as práticas da Igreja. Escreveu diversos artigos na imprensa e cartas com reiterados aplausos a quem se opunha à torpe escravidão.
Um dos atos de caridade que mais alegria levava ao coração de Silvério era a chamada Páscoa dos Presos, ocasião em que a imagem de Jesus Sacramentado era levada em procissão até à cadeia para consolo e conforto daqueles que se encontravam no cárcere. Demonstrou, por diversas vezes, cuidado e compaixão para com os presos e fazia questão de, sempre que pudesse, levar a eles a luz do Evangelho.
Ainda vigário capitular, escreveu “Vida de Dom Viçoso”, a primeira biografia desse venerado Servo de Deus e onde mais uma vez pôde, através de sua pena, reverenciar a vida e o exemplo daquele que havia sido o seu maior mestre.
Com a eleição de Dom Benevides para bispo de Mariana, em 1877, e após ter conduzido a diocese a contento de todo clero e do novo prelado, Monsenhor Silvério desejava regressar ao Seminário, aos seus alunos e aos estudos. Porém diante do excelente serviço prestado como administrador, o bispo resolveu nomeá-lo o Vigário Geral[iv] da diocese.
Na nova função e ao lado de Dom Benevides, iniciou as providências para colocar sob a administração diocesana, o seu amado Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, até então amparado pela Irmandade do mesmo nome.
Com a saúde bastante frágil de Dom Benevides, os trabalhos colaborativos exercidos pelo então Monsenhor Silvério e pelo também Monsenhor Horta, outro dos mais importantes e abençoados eclesiásticos da Diocese em todos os tempos, foram os sustentáculos do bispado. Como visitador delegado, Silvério deu continuidade à visita geral iniciada pelo bispo titular.
A enfermidade que acometia a Dom Benevides piorava a cada dia, praticamente paralisando-lhe as mãos e limitando sensivelmente a capacidade de exercer suas funções. Como conhecia bem a capacidade e a índole cristã de seu Vigário Geral, solicitou ele mesmo a nomeação de Monsenhor Silvério para seu bispo auxiliar.
Dom Silvério que, ao longo de sua vida, foi professor, poeta, orador sacro, biógrafo e prelado, já tinha suas virtudes bastante conhecidas pela Santa Sé quando, em 1890, sagrou-se bispo titular de Câmaco e bispo auxiliar de Dom Benevides em Mariana. Sua sagração se deu em São Paulo e foi realizada por Dom Pedro Maria de Lacerda. Foi o primeiro prelado sagrado no Brasil após a Proclamação da República.
A queda da monarquia representou sérias dificuldades para a manutenção do culto católico. A separação entre a Igreja e o Estado obrigou a primeira a viver dos auxílios e contribuições que lhe trouxessem os fiéis. Como o governo colonial e, posteriormente, o imperial trataram de assumir todas as responsabilidades para com o custeio da Igreja, não era comum e não estava difundida no país a prática do dízimo, o tributo sagrado. Sendo assim, Dom Silvério teve que superar todas as dificuldades, que não foram poucas, para buscar meios de suprir as variadas necessidades da diocese, em particular as muitas que a manutenção do Seminário exigia.
Foi com grande afinco que Dom Silvério entregou-se às visitas pastorais. A primeira delas, em 1891, tornou-se célebre por sua magnitude. Percorreu na ocasião, inúmeras freguesias como Ponte Nova, Ubá, Lima Duarte, dentre outras. Ao longo do ano, estaria também em Formiga, Bambuí, Lavras e São João del-Rei, para citar apenas algumas que, ao tempo, explicitam as grandes distâncias percorridas em difícil e desgastante peregrinação, não raras vezes por lugares desprovidos totalmente de recursos, faltando ao bispo, em muitas oportunidades, cama, alimento e um mínimo de conforto.
Durante as visitas, cumpria rigorosamente sua rotina de trabalho. Punha-se de pé sempre às quatro e meia da manhã. Praticava suas orações e meditações até que a Igreja da freguesia fosse aberta. Assistia a todas as missas e, ao final da manhã, celebrava a sua. Ao meio-dia, gostava de pessoalmente ensinar catecismo às crianças. No início da tarde, começavam as cerimônias de crisma que se estendiam por todo o dia até o cair da noite, quando ainda, antes de descansar, procurava ficar por algum tempo disponível aos fiéis, recebendo-os, ouvindo deles suas aflições e dando-lhes conforto.
Em 1892, esteve com os padres lazaristas no Caraça, onde havia estudado. Em seu regresso a Mariana, passou por Catas Altas e Inficcionado, atual distrito de Santa Rita Durão, em visitas muito comemoradas por ambas as populações. Durante a quaresma daquele mesmo ano, esteve também nas regiões de Macaúbas, Santa Luzia e Nova Lima, voltando para Mariana para presidir à Semana Santa e logo retomar o seu ritmo de peregrinação. Destaque para sua visita ao povoado de Saúde que, mais tarde, seria em sua honra batizado de Dom Silvério.
As condições para se locomover pelas Minas Gerais continuavam precárias ao final do século XIX; não eram poucos os sacrifícios que aquela rotina de peregrinação impunha ao bispo. Não raro se via obrigado a deslocar-se por caminhos tortuosos e difíceis no lombo de animais cansados que podiam sucumbir durante o trajeto e fazer com que ele transpusesse os obstáculos a pé.
Seis anos foram o período em que Dom Silvério atuou como bispo auxiliar de Dom Benevides. Durante esse tempo, realizou mais uma vez obra portentosa e complexa. Em 1893, lançou a folha periódica “O Viçoso”, veículo em que publicou muito de seus célebres escritos. A enorme gratidão e veneração que sempre nutriu por Dom Viçoso e por sua memória foi assunto de muitos de seus textos no periódico. Igualmente célebres foram suas cartas pastorais escritas no período, a primeira datada de 24 de novembro de 1890.
Todos os bispos devem ir a Roma com certa periodicidade para visitar as Basílicas dos pioneiros da Santa Igreja, São Pedro e São Paulo e para participar de audiência com o papa. Como em 1895, Dom Benevides encontrava-se incapacitado para tal viagem, coube ao seu bispo auxiliar realizá-la. Dom Silvério aproveitou a ocasião para realizar um antigo desejo de seu coração cristão: visitar a Terra Santa. Peregrinou por todos os locais sagrados do Cristianismo, esteve onde foi anunciada pelo anjo a maternidade virginal de Maria, onde Cristo nasceu, pregou e onde viveu sua “Via Crucis”.
Saudaria as montanhas que exultaram com o nascimento do precursor, adoraria em Belém, o berço do menino Jesus, subiria ao monte das Oliveiras e das suas eminências contemplaria todos aqueles lugares que se santificaram pelo contato com o Mestre.[v]
No interior do Egito, conheceu a antiqüíssima árvore onde, conforme a tradição, a Sagrada Família teria descansado durante sua fuga para aquele país; visitou também a casa onde moraram Jesus, Maria e José, quando na terra dos antigos faraós.
Em Jerusalém, visitou o Santo Sepulcro onde, por algumas horas, esteve guardado o corpo do Divino Mestre antes da gloriosa ressurreição. Segundo relatos, o bispo ficou por lá meditando emocionado por horas. Na manhã seguinte, celebrou uma missa na Igreja do Santo Sepulcro e assistiu a outras tantas. No outro dia, realizou na companhia de outros católicos, o exercício piedoso da Via Sacra pelos mesmos lugares onde se celebram as estações da devoção.
Na Itália, visitou o Santuário de Nossa Senhora de Pompéia e, na manhã de 29 de junho, celebrou missa na Basílica de São Pedro. Esteve com o Papa Leão XIII que demonstrou grande interesse pelo Brasil e principalmente pela Diocese de Mariana que se, em algum momento, teve a sua reputação arranhada em Roma, naquele tempo, principalmente após o bispado de Dom Viçoso e da então administração conjunta de Dom Benevides e Dom Silvério, tinha, junto ao Santo Padre, as mais altas estimas e apreço. Aproveitou também a viagem para visitar todas as congregações que pôde com o objetivo de arrebanhar missionários para a diocese.
De volta ao Brasil, preocupado com a manutenção das coisas da Igreja que a cada dia tornava-se mais difícil pela falta de recursos, Dom Silvério incumbiu o secretário do bispado, Monsenhor Júlio Bicalho, de percorrer toda Minas Gerais, em busca de documentos e registros de propriedade, recolhidos nos cartórios e nos arquivos públicos desde muitos anos. Graças a este monumental e dispendioso trabalho, foi possível à diocese recuperar muitos bens que, havia anos, encontravam-se nas mãos de particulares, o que veio permitir a várias igrejas reabilitarem-se para o culto, depois de um período de declínio causado por falta de recursos materiais.
Pelo restante de 1895 e até meados de 1896, continuou a realizar as visitas pastorais com o já citado empenho e coragem. Em 16 de julho de 1896, grande tristeza tomaria conta do coração de Dom Silvério e de todos os fiéis mineiros, morria Dom Benevides.
Com a experiência adquirida por ter dirigido a diocese durante o período posterior à morte de Dom Viçoso e por ter sido constituído visitador delegado de Dom Benevides e seu atuante bispo auxiliar, não era de estranhar que Dom Silvério fosse o escolhido para a sucessão episcopal. Recebeu a notícia de sua eleição, durante uma visita pastoral. Tornaram-se célebres as demonstrações de contentamento que lhe eram reservadas por onde passava. Sua posse e entrada solene na catedral aconteceram respectivamente nos dias 9 e 16 de maio de 1897, menos de um ano após a morte de seu antecessor. Sua entronização foi presenciada por diversas e importantes autoridades da época, dentre elas o então presidente do Estado de Minas Gerais, Dr. Bias Fortes. De todas as partes de Minas e do Brasil, chegaram-lhe inúmeras mensagens de júbilo e de boa sorte.
Tão logo cessaram em Mariana as comemorações por sua eleição, tratou Dom Silvério de traçar as primeiras ações de seu episcopado. Nomeou o vigário geral e o secretário da diocese, respectivamente, Monsenhor José de Souza Telles Guimarães e Cônego José Bicalho, ambos seus próximos colaboradores. O último seria, anos mais tarde, eleito bispo do Pará, mas, por pura humildade, recusaria a alta investidura.
Não demorou para que Dom Silvério retomasse as visitas pastorais que já, há anos, praticava em nome de Dom Benevides. Em sua primeira visita, como bispo titular de Mariana, visitou treze freguesias no sertão e na divisa com Goiás. Sempre que chegava a uma comunidade, procurava saber das condições estruturais da paróquia. Com notável dedicação, cuidou das igrejas matrizes. Para auxiliar os vigários na preservação dos templos, criou por todo o Estado as Associações das Damas do Coração de Jesus, que reuniam as senhoras da localidade com disposição para tal tarefa. Empregou o dinheiro das esmolas que arrecadava nas visitas pastorais no desenvolvimento e ampliação do Seminário, para que este pudesse cada vez mais receber alunos pobres, como ele próprio havia sido. Fundou um novo educandário na zona da mata. Por essa época, iniciaria as providências para a criação de um bispado no sul de Minas, mais precisamente em Pouso Alegre.
Em 1899 esteve novamente em Roma, desta vez para participar do importante Concílio Plenário para a América Latina. Participaram todos os arcebispos latino-americanos e mais um bispo de cada Província. Dom Silvério foi o escolhido entre todos os bispos da extensa Província Eclesiástica do Rio de Janeiro, na qual a diocese de Mariana, à época, era uma de suas sufragâneas. Fora escolhido por seus pares, por suas notáveis virtudes intelectuais e cristãs.
Em 1901, funda o Boletim Eclesiástico da Diocese, para arquivo, registros e publicidade dos atos episcopais.
Foi Dom Silvério que, preocupado com a instituição de paróquias em número suficiente para assistir a todos os moradores da recém-fundada Belo Horizonte, nova capital de Minas Gerais, leva para lá os operosos padres redentoristas, filhos de Santo Afonso.
No seu tempo, Dom Silvério foi uma figura de destaque e de grande importância para todo o clero brasileiro. Quando participou da Conferência Episcopal de São Paulo, nos primeiros anos do século XX, deu-lhe inestimável contribuição já que, além de grande conhecedor da práxis da Igreja e da Palavra de Deus, as suas constantes visitas pastorais haviam feito dele um grande conhecedor do povo brasileiro, dos seus costumes e de sua índole. Nessa ocasião, foi incumbido por seus colegas de redigir o seu famoso “Catecismo”, obra completa e profunda, publicada em 1903 e adotada por mais de cinquenta anos em dioceses do Brasil e do mundo inteiro.
Foi com imensa tristeza que Dom Silvério recebeu e transmitiu aos seus diocesanos a notícia da morte do Sumo Pontífice Leão XIII, em julho de 1903. Com não menor alegria, tomou e deu conhecimento da eleição de Pio X, a quem conheceria pessoalmente em sua nova visita a Roma, ocasião que aproveitou para novamente visitar a Terra Santa. Antes de deixar a Itália, recebeu de presente um retrato seu, com a seguinte dedicatória, escrita de próprio punho pelo santo padre:
Ao nosso venerável irmão Silvério Gomes Pimenta, bispo de Mariana, cujos serviços grandiosamente prestados à Diocese nos são conhecidos, como penhor de nossa benevolência, do íntimo da alma lhe concedo a bênção apostólica.
Em 1906, a diocese de Mariana contava cento e sessenta anos completos. O bispado inaugurado com quarenta e cinco paróquias e trezentos mil habitantes era agora uma Igreja florescida, com mais de três milhões de católicos espalhados por trezentas paróquias e assistidos por quinhentos sacerdotes. A grandiosidade da diocese não se mede apenas pelos números: a obra edificada ali fora das mais iluminadas e felizes da Igreja no Brasil.
Então, na data de 1º de maio de 1906, por bula do Santo Padre Pio X, a diocese de Mariana foi desmembrada da Província Eclesiástica do Rio de Janeiro e elevada à Arquidiocese, tendo como dioceses sufragâneas: Goiás, Diamantina e Pouso Alegre. Como não poderia deixar de ser, o primeiro bispo de Mariana, natural da própria diocese, foi também o seu primeiro Arcebispo.
Em 06 de agosto de 1907, foi realizada no Rio de Janeiro, pelas mãos do eminente Senhor Cardeal Arcoverde, a solenidade de imposição do pálio[vi], a insígnia da plenitude do ofício pontifical, própria das funções de um arcebispo. Estiveram presentes à cerimônia praticamente todos os bispos das províncias brasileiras, políticos importantes como o então presidente do Estado de Minas Gerais, o Dr. João Pinheiro, além de vários populares de Mariana e cidades vizinhas.
O Arcebispo Dom Silvério logo retoma o seu habitual ritmo de visitas pastorais. Por esse tempo, intensifica os esforços pela ampliação dos estabelecimentos de ensino cristão. Em 1902, sagra Dom Joaquim Silvério de Souza o segundo bispo de Diamantina e, em Itabira, em 1907, sagra Dom Prudêncio bispo de Goiás. Em 1912, é comemorado, em Mariana, com festividades variadas, o cinqüentenário de sua ordenação sacerdotal. No ano seguinte, sagra outro bispo, Dom Modesto.
Durante as visitas pastorais, por onde Dom Silvério passasse e percebesse que a Igreja encontrava-se, de certa forma, ausente, tratava logo de assegurar as condições para que tal falta fosse suprida. Assim procedeu quando se esforçou pela criação da diocese de Caratinga em 1916, por achar a cidade muito distante de Mariana e das demais dioceses do arcebispado. Em 1918, foi a vez de empenhar-se pela criação do bispado de Aterrado, hoje Diocese de Luz. Neste mesmo ano, em Sabará, ordenou o sacerdote Carlos Carmello de Vasconcellos Motta, que viria a tornar se, décadas mais tarde, o eminentíssimo Cardeal Motta.
Se houve um lugar pelo qual Dom Silvério reservou dedicação especial para o seu provimento eclesiástico foi Belo Horizonte. A jovem capital desenvolveu-se de maneira dinâmica, desde os seus primeiros dias, e sabia o Arcebispo que seria importantíssimo para a sua crescente população a presença de um bispado. Em 1909, chegou-se a discutir a transferência da sede arquiepiscopal de Mariana para Belo Horizonte, permanecendo na primeira cidade mineira apenas a sede episcopal. Dom Silvério optou por dar providências pela criação de uma nova diocese na capital, fato que somente tornar-se-ia realidade em 1921 para alegria do Arcebispo de Mariana. A elevação à Arquidiocese de Belo Horizonte aconteceria rapidamente já em 1924.
Outra causa a que muito se dedicou foi a do reconhecimento oficial da santidade de Dom Viçoso. Trabalhou para tornar cada vez mais conhecidas as virtudes e feitos daquele que havia sido seu protetor desde os tempos da infância. Orientou todo o clero arquidiocesano a documentar e transmitir-lhe os relatos de graças e fatos notáveis alcançados por intermédio do Santo Bispo. O Tribunal Eclesiástico pela canonização de Dom Viçoso foi instalado por sua iniciativa em 1916.
Em meados de 1916, sensibilizado pela situação calamitosa pela qual passava o povo belga, exposto à fome e epidemias, traumatizado pelos combates e por suas mortes estúpidas, em razão da invasão alemã na Primeira Guerra Mundial, cuidou o Arcebispo de organizar uma grande campanha de arrecadação de donativos em Minas para serem enviados àquele país europeu. Profundamente agradecido, o então rei da Bélgica lhe concede a Comenda da Ordem da Coroa, honraria destinada somente aos grandes benfeitores da nação belga, que lhe seria transmitida pelo cônsul do país em Belo Horizonte, alguns anos depois.
Em 1919, Dom Silvério reencontra seu amigo Dom Joaquim e preside à solenidade em que lhe é imposto o pálio episcopal, quando da elevação da diocese de Diamantina à condição de Arquidiocese.
Em 1922, Artur Bernardes vence as eleições presidenciais, mas encontra fortes resistências à sua posse. Interessados em causar um clima de revolta no país, principalmente nos incipientes centros urbanos, seus opositores passam a divulgar cartas onde o eleito punha-se em frontal oposição às autoridades militares, episódio que se tornou conhecido por aquele das “falsas cartas”. Com a população em polvorosa e diante de um clima de crescente insubordinação, coube ao velho Arcebispo de Mariana o papel de pacificador. Foi ele quem atestou a falsidade das cartas e colocou fim àquela situação que, em Belo Horizonte, já havia rendido ruidosas manifestações. Jornais da capital classificaram a palavra de Dom Silvério como equivalente a uma sentença assinada por Deus. Sua efervescente obra literária o levou a ser eleito imortal da Academia Brasileira de Letras, por unanimidade, em 1920, para ocupar a cadeira de número 19 que havia sido de Alcindo Guanabara. Do seu discurso de posse, muitos esperavam uma situação, no mínimo, constrangedora, pois seu antecessor, a quem deveria referir-se em pronunciamento, foi famoso por seus escritos liberais e repletos de idéias emancipadas da ortodoxia cristã. Ao invés de ressaltar o que os diferenciava, Dom Silvério, mais uma vez, foi generoso e reservou ao antecessor palavras elogiosas, em que destacava um fundo de fé nas idéias com que não concordava, mas respeitava. Foi aclamado por sua grandiosidade e humildade e saudado efusivamente por seus pares. Já com a idade avançada e enfermo, não esmoreceu de sua missão de evangelizar através das visitas pastorais. Os constantes esforços, que lhe exigiam as viagens, acabaram por agravar seu estado de saúde. Faleceu em 30 de agosto de 1922, aos 82 anos.
Em 1962, por iniciativa do terceiro arcebispo de Mariana, Dom Oscar de Oliveira, foi concebida e inaugurada uma estátua em homenagem a Dom Silvério em frente à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Congonhas, onde havia sido batizado. Durante a solenidade, o eminentíssimo Cardeal Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta fez ouvir seu comovente pronunciamento em honra do saudoso primeiro arcebispo de Mariana.
Silvério Gomes Pimenta foi sim um honrado prelado que de Deus obteve o dom da vida e da eternidade, que, por seu intelecto, foi agraciado pela imortalidade simbólica dos homens e que, por seu exemplo, ganhou a perene admiração e gratidão do povo de Minas Gerais.
Por intermédio de Dom Silvério Gomes Pimenta, os irmãos Maristas chegaram ao Brasil em 18 de outubro de 1897.
Fonte: SANTIAGO, Marcelo Moreira. et al. Igreja de Mariana. 261 anos de história. 100 anos como Arquidiocese: 1906-2006. Mariana: Gráfica Dom Viçoso, 2007, p. 91-106.
[i] OLIVEIRA, Monsenhor Alípio. Traços biográficos de Dom Silvério Gomes Pimenta. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, 1940.
[ii] Ibidem p.20.
[iii] Aquele que era eleito pelo capítulo de cônegos (Cabido) para assumir interinamente uma diocese vaga, até que fosse eleito o novo Bispo. (RODRIGUES, Monsenhor Flávio Carneiro Rodrigues. Cadernos históricos do arquivo eclesiástico da Arquidiocese de Mariana. Mariana: Dom Viçoso, 2005. In: . Os dois relatórios decenais de Dom Antônio Ferreira Viçoso. v. 4, p. 121).
[iv] Substituto do Bispo (episcopi umbra/sombra do bispo) no governo de uma diocese. Preside a cúria, onde despacha com poderes delegados pelo bispo.(RODRIGUES, Monsenhor Flávio Carneiro Rodrigues. Cadernos históricos do arquivo eclesiástico da Arquidiocese de Mariana. Mariana: Dom Viçoso, 2005. In: . Os dois relatórios decenais de Dom Antônio Ferreira Viçoso. v. 4, p. 121).
[v] OLIVEIRA, Monsenhor Alípio. Traços biográficos de Dom Silvério Gomes Pimenta. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, 1940. p.55.
[vi] Faixa de lã branca, guarnecida de seis cruzes, antes vermelhas e hoje pretas. Distintivo dos metropolitas apenas. Bispos sufragâneos não o tem. (RODRIGUES, Monsenhor Flávio Carneiro Rodrigues. Cadernos históricos do arquivo eclesiástico da Arquidiocese de Mariana. Mariana: Dom Viçoso, 2005. In: Os dois relatórios decenais de Dom Antônio Ferreira Viçoso. v. 4, p. 114)