Bispado

1960 a 1988

Dom Oscar de Oliveira

3º Arcebispo de Mariana

Ipsa Dvce (Ela te conduz)

Quando, seguindo a tradição da Igreja marianense, Dom Helvécio deu as primeiras providências para a escolha do seu arcebispo coadjutor, com direito à sua sucessão, sabia o altivo Prelado que o nome a ser escolhido devia ser o de um pastor que fosse admirado e respeitado por suas virtudes cristãs e, ao mesmo tempo, tivesse vasto conhecimento das coisas da Igreja, da sua liturgia e de seus cânones e que pudesse também compreender as necessidades e os desafios que se apresentavam naqueles conturbados meados do século XX. Para tal missão, foi feita a opção por um mestre: Dom Oscar de Oliveira, doutor em direito canônico, poeta, historiador, escritor, humanista, uma das maiores glórias da Igreja marianense e brasileira.

Dom Oscar teve sua eleição confirmada por bula do Santo Padre João XXIII, em 1959. Por determinação do novo Arcebispo, a cerimônia de sua solene entrada na Catedral da Sé, em 03 de maio do mesmo ano, teve que se restringir às exigências da lei. A humildade de seu gesto não impediu que o largo da Catedral fosse tomado por uma multidão de populares. Afinal, além de importante cerimônia eclesiástica, aquele evento era também a celebração de um aguardado regresso.

Foi, em 1925, levado pelas mãos de seu estimado amigo e benfeitor Pe. Rodolfo que o garoto de treze anos, chamado Oscar de Oliveira, chegou às portas do Seminário de Mariana. Assim como sucedera a Dom Silvério, sete décadas antes, foi recebido com generosa hospitalidade e aceito como aluno gratuito. O que aquele garoto jamais poderia imaginar é que, trinta e quatro anos depois, fato semelhante que acontecera a Dom Silvério se repetiria e tornar-se- ia então o terceiro Arcebispo de Mariana.

Nasceu em 09 de janeiro de 1912, em Entre Rios de Minas, no modesto lar de José Esteves de Oliveira e dona Judith Augusta Ferreira, amantíssimos pais. Foi o terceiro de treze irmãos. Seu batismo ocorreu no dia 28 do mesmo mês, em cerimônia ministrada pelo Pe. Rodolfo Pena. Aos três anos de idade, recebeu o sacramento da Crisma das mãos de Dom Silvério Gomes Pimenta.

Alfabetizou-se no Grupo Escolar Ribeiro de Oliveira, onde concluiu o período das primeiras letras em 1924, aos doze anos. A essa altura, já atuava como coroinha do vigário Pe. Rodolfo e demonstrava todo o apreço que nutria pelas coisas da Igreja, realizando com prazer e determinação todas as atribuições que lhe cabiam como assistente. Foi o então vigário de Entre Rios que, ao perceber a vocação do menino para o sacerdócio, agiu para incentivá-lo.

Quando o seminarista Oscar de Oliveira realizou seus estudos no Seminário de Mariana, o curso eclesiástico completo compreendia dez anos, sendo dois anos para o estudo da Filosofia, quatro para o Latim e os outros quatro para a Teologia. Até 1934, quando o edifício do Seminário Maior foi inaugurado por Dom Helvécio, o antigo casarão abrigava todos os seminaristas e todas as etapas do curso. O regime de internato possibilitava aos alunos uma sadia convivência diária entre os colegas e mestres. Por esse tempo, Dom Oscar cultivou sólidas amizades que lhe acompanhariam por toda vida. Ao longo dos anos, sempre que se referia a esse período, o fazia com carinho e alegre nostalgia.

A extrema dedicação que reservou aos estudos e a maneira auspiciosa com que se deram sua formação espiritual e seu aperfeiçoamento intelectual foram as razões que levaram seus professores, em especial o Pe. Pedro Sarneel, a indicar o seu nome junto ao Arcebispo Dom Helvécio, para que fosse enviado para prosseguir sua formação eclesiástica em Roma. Assim, por seus méritos, chega em 1933 à cidade eterna. Inicialmente, junto com outros seminaristas brasileiros, ficou residindo e estudando no Colégio Pio Latino Americano que, há setenta e cinco anos, recebia os estudantes do Brasil. Ainda no mesmo ano, teve a honrosa oportunidade de conhecer o papa Pio XI e de assistir à cerimônia de canonização de Santa Bernadete Soubirous, realizada em 08 de dezembro.

Com a inauguração do Colégio Pio Brasileiro, o seminarista Oscar e seus colegas contemporâneos e compatriotas tornaram-se os seus primeiros alunos. Concluiu seu curso de Teologia, iniciado em Mariana, em junho de 1934, e, pelos próximos três anos e meio, esteve às voltas com o desenvolvimento de sua tese de doutorado em Direito Canônico.

Em 27 de outubro de 1935, foi ordenado em Roma pelas mãos de Dom Giuseppe Pallica, realizando finalmente o sonho que acalentara desde a mais tenra idade. A cerimônia foi realizada na capela do Colégio Romano. No mesmo dia, fez questão de escrever aos pais e irmãos, descrevendo a enorme alegria que sentia com a ocasião. Sua primeira missa foi celebrada nas catacumbas de São Sebastião; a segunda, na capela do Pio Brasileiro e a terceira, na cripta da Basílica de São Pedro.

Em 16 de fevereiro de 1938, apresentou a defesa de sua tese de doutorado, na Universidade Gregoriana de Roma, que se intitulava “Os Dízimos Eclesiásticos nos Períodos da Colônia e do Império”. Teve como mestre orientador o Pe. Miguel Mostaza. Sua tese, dotada de segurança doutrinal e aguçado senso crítico e executada com impecável redação, foi considerada primorosa por seus mestres examinadores. A obra tornou-se referência para os estudos históricos e jurídicos sobre o assunto, sendo citada em importantes obras ao longo do século. A primeira vez em que foi publicada no Brasil foi em 1940, pela Editora Lar Católico de Juiz de Fora.

O período de quatro anos, em Roma, foi muito importante para a formação de Dom Oscar e também lhe foi um tempo muito feliz. Antes de sua partida, em 22 de fevereiro de 1938, para regresso ao Brasil, foi homenageado por seus pares e mestres com uma bela sessão lítero-musical, à altura do elevado apreço que possuíam por ele.

Em 07 de março de 1938, chega ao Brasil e, uma semana depois, está de volta à sua estimada cidade natal e à convivência, para ele saborosa, de seus amigos e familiares.

A primeira missão abraçada por padre Oscar, assim que retornou ao Brasil, foi a de mestre. Voltou a residir em Mariana para lecionar nos Seminários Maior e Menor. Foi, por vários anos, um mestre dedicado e brilhante. Em relação ao método de ensino, foi inovador, procurando conduzir suas aulas a partir do que havia aprendido em Roma. Aos alunos menos dotados intelectualmente, reservava-lhes atenção especial e conseguia extrair de cada um o seu melhor. Transmitia seus conhecimentos com seriedade, o que não evitava que suas aulas fossem, para seus alunos, períodos alegres e divertidos. Sabia contrabalancear a profundidade do que ensinava com histórias jocosas e anedotas para despertar o humor dos estudantes. Extremante carismático, o professor Oscar conhecia cada um de seus alunos pelo nome e sempre que possível colocava-se à disposição deles, para conselhos, orientações e conforto espiritual. Procurava incentivá-los a possuírem o mesmo apreço pelos estudos que sempre cultivou e também a se dedicarem de maneira total ao exercício do sacerdócio. Anos mais tarde, já Arcebispo, voltaria a lecionar Direito Canônico no Seminário Maior, por ocasião da repentina morte do titular da cátedra, Cônego Mauro de Faria.

Em 1944, foi nomeado por Dom Helvécio cura[i] da paróquia de Nossa Senhora da Assunção de Mariana. Foi um pároco extremamente zeloso por dez anos. Priorizou a catequese, agindo com igual empenho para trazer os adultos à doutrina e o catecismo às crianças. Foi um líder inestimável para as numerosas associações religiosas do curato. Outra importante realização desse período foi a completa reorganização dos arquivos da paróquia, que teve seus livros recuperados e reordenados para facilitar a pesquisa e a consulta. Conduzia as celebrações da Semana Santa de maneira impecá vel, tanto em relação à liturgia quanto aos rituais e indumentárias religiosas.

Em 1954, o Santo Padre Pio XII anuncia por bula sua nomeação para bispo auxiliar de Pouso Alegre. A sagração ocorre em Mariana, no dia 22 de maio, em cerimônia presidida por Dom Helvécio, tendo como consagrantes os amigos Dom Daniel Neves e Dom Rodolfo Pena. A notícia de sua merecida graduação causou grande contentamento a toda comunidade marianense, apesar da inevitável saudade que todos sentiriam do estimado amigo e pastor, agora com a missão de levar seus préstimos aos fiéis de Pouso Alegre.

Em 16 de setembro, Dom Oscar chega à cidade do Sul de Minas e é recebido com entusiasmo e carinho pelo bispo titular, Dom Otávio de Chagas Miranda e por representantes da sociedade local. Desde os primeiros dias, auxiliou de forma fiel e generosa a Dom Otávio, e no ano seguinte, foi nomeado bispo coadjutor e administrador pleno da diocese, com direito a sucessão. Seu episcopado em Pouso Alegre se estendeu até 1959 e foi marcado por importantes realizações. Através de sua liderança, a diocese conseguiu angariar os recursos necessários para terminar a construção da Catedral que havia sido iniciada, anos antes, por seu predecessor. Outra importante obra, possível graças ao seu empenho, foi a construção do novo Seminário. Foi Dom Oscar quem conseguiu adquirir a extensa área, onde o educandário viria a ser construído anos depois. Esteve em todas as paróquias da diocese, realizando visitas pastorais entre 1954 e 1957. Em 1959, despede-se da cidade e toma o caminho de volta a Mariana para assumir a Arquidiocese como arcebispo coadjutor.

A cerimônia de imposição do “Palio” foi realizada em 15 de julho de 1961, em Mariana, um pouco mais de um ano após o falecimento de Dom Helvécio. A solenidade foi incluída nas comemorações do 250º aniversário da cidade e Dom Oscar teve a honra de receber a insígnia das mãos do eminente Cardeal Motta.

Uma das primeiras ações de Dom Oscar, já como Arcebispo de Mariana, foi a criação do jornal “O Arquidiocesano” que, durante todo o seu episcopado e até junho de 1993, foi o principal veículo de informação da Arquidiocese. Em seu primeiro volume, o jornal trouxe um artigo de Dom Oscar, em que o Arcebispo falou sobre a importância e função do periódico:

Pelo nosso jornal, inteirar-se-ão Clero e fiéis dos decretos e escritos do Prelado, dos mais importantes atos da Cúria metropolitana e da vida espiritual de toda a Arquidiocese. Concorrerá ele para tecer e entrelaçar a história eclesiástica de nossa circunscrição, através de notícias de todas as Paróquias. E que de mútuos estímulos não advirão daí! Terá ainda por escopo o nosso semanário levar às almas o conhecimento da Doutrina Social da Santa Igreja; defenderá ele, os direitos de Deus e da Comunidade cristã, com absoluta isenção e independência de partidarismo político, pois nossa Política é o Evangelho. Firmeza na exposição da doutrina da Igreja, unida à serenidade da caridade cristã, há de ser o lema de O Arquidiocesano.[ii]

Era o ano de 1959, o mundo encontrava-se dividido entre áreas de influência de duas superpotências. A Guerra Fria atingiria seu auge na próxima década, aprofundando a dicotomia ideológica entre os marxistas e os capitalistas. Além disso, na seara comportamental, assuntos como o divórcio e a regulação da natalidade estariam no centro das discussões em várias partes do mundo. O homem moderno e seus anseios, àquela altura da história, encontravam-se, de certa forma, distantes da Santa Igreja. É nesse clima que o Santo Padre João XXIII convoca o Segundo Concílio do Vaticano, o evento que viria transformar a práxis da Igreja de forma definitiva, sem colocar em risco a guarda da pura doutrina cristã.

Estando a Igreja inserida em um mundo à beira da ruptura, era natural que a porção humana da Instituição também sofresse um processo de transformação que gerasse algum antagonismo. A grosso modo, essa dicotomia estava representada na Igreja por duas alas: a chamada progressista, favorável, entre outras coisas, a que a Igreja adotasse um discurso social mais contundente e a ala mais conservadora, resistente a modificações mais significantes na liturgia e na ação eclesiástica.

Naqueles anos conturbados, esses posicionamentos, que hoje podem ser vistos com mais serenidade, geraram tensões que, aparentemente, ameaçavam à unidade da Santa Igreja. Contudo, quando João XXIII anuncia, em 1959, a preparação para o Concílio, uma onda de esperança e otimismo espalha-se por todo o mundo.

Dom Oscar foi convocado para tomar parte do II Concílio como padre conciliar, repetindo mais uma vez Dom Silvério, que havia participado do I Concílio Vaticano. Infelizmente, Dom Oscar não pôde comparecer às primeiras sessões, em 1962, devido a um grave acidente automobilístico que havia sofrido em agosto daquele ano, durante visita pastoral à Piranga. Em seu lugar, Dom Oscar enviou seu procurador, Dom José Dângelo Neto, então bispo de Pouso Alegre. Nessa primeira sessão do Concílio, foram refletidos os temas relativos à Sacra Liturgia, Fontes da Revelação, Instrumentos da Comunicação Social e União com os Orientais.

Dom Oscar esteve presente às três aulas seguintes do Concílio, entre os meses de setembro e dezembro de 1963, 1964 e 1965, agora já sob a liderança de Paulo VI, eleito após a morte, tão lamentada, do bondoso João XXIII. Na segunda fase, foram tratados os assuntos relativos à Bem-aventurada Virgem Maria, aos Bispos e o governo das Dioceses, ecumenismo, decretos da Constituição Litúrgica e dos instrumentos de Comunicação Social. Na terceira aula, foi discutida a redação dos Documentos sobre a Igreja, Igrejas Orientais Católicas, Ecumenismo e Liberdade Religiosa. Durante a quarta sessão, as matérias foram relativas à Liberdade Religiosa, Igreja no mundo contemporâneo, atividade missionária, à vida e ao ministério sacerdotal e apostolado leigo. Nesta última ocasião, uma curiosidade: após o período das sessões, aproveitando sua estadia em Roma, Dom Oscar mais uma vez refez os passos de Dom Silvério, tendo estado na Terra Santa e visitado, com grata emoção, os locais sagrados do Cristianismo.

Nas palavras de João XXIII, o II Concílio do Vaticano foi concebido para ser um “aggiornamento” (atualização) das práticas da Igreja aos tempos modernos, com o objetivo de tornar mais próxima das pessoas a Sagrada Missão de evangelizar o mundo. A partir do Concílio, foram ses para a atuação da Igreja na segunda metade do século XX. Dentre as muitas mudanças, destacamos que as missas passaram a ser celebradas em língua própria de cada país; as Igrejas nacionais, suas dioceses e órgãos colaborativos passaram a ter mais autonomia de ação; os compromissos pastorais foram renovados; o diálogo ecumênico incentivado, assim como a utilização de meios modernos de informação para a irradiação do Evangelho.

Em 1964, Dom Oscar escreveu uma série de artigos, publicados pelo “Arquidiocesano”, discorrendo, com ampla propriedade, a respeito da liturgia da Igreja no pós-Concílio.

É a renovação espiritual por uma liturgia a ser mais adaptada aos nossos tempos; estímulo a difusão das verdades cristãs pela imprensa, rádio e televisão.[iii]

Empenha-se a Igreja em dar novas vestes às verdades reveladas, com termos mais adaptados à mentalidade dos homens de hoje. Uma liturgia que com um novo linguajar possa melhor ser assimilada e vivida pelos fiéis e melhor compreendida até por aqueles que não participam de nossa fé.[iv]

Dom Oscar foi o principal articulista do “Arquidiocesano”. Através desse semanário, exprimiu-se com tristeza quando dos falecimentos dos santos padres João XXIII, em 1963, de Paulo VI e de João Paulo I, em 1978. Através das páginas do jornal, os fiéis puderam compartilhar da alegria do Arcebispo quando das nomeações dos próprios Paulo VI e João Paulo I, em 1963 e 1978 respectivamente, e a do último papa do século XX, o inesquecível João Paulo II. Além das questões eclesiásticas e das notícias paroquianas, Dom Oscar também tratou, sempre em textos muito bem embasados, de questões relativas à vida familiar, aos costumes da época e também dos assuntos políticos, tão caros àqueles idos.

O comunismo recebeu formal e solene repulsa da Igreja em vários documentos dos papas Leão XIII, Pio XI, Pio XII, João XXIII e Paulo VI. A ideologia materialista foi frontalmente combatida por textos de Dom Oscar e de seus colaboradores em vários números do “Arquidiocesano”. Por mais de uma vez, posicionou-se de forma crítica às duas ideologias que disputavam as mentes do mundo: “O comunismo comporta uma filosofia que faz das realidades um subproduto da matéria. Implica o ateísmo militante. O capitalismo faz da riqueza perecível o seu ídolo. Ambos, capitalismo e comunismo, alienam o homem, um pelo poder do dinheiro, outro pela propaganda organizada, pela pressão estatal”.

Apesar de combater o marxismo e de classificar como perigosa a presença de comunistas no então governo do presidente João Goulart, Dom Oscar jamais discordou da necessidade das reformas de base, em discussão à época, e defendidas pelo governo. O que o Arcebispo criticava, de forma veemente, era a utilização dos anseios legítimos pelas reformas para se fazer demagogia. Existia um grande temor, particularmente entre os setores conservadores da Igreja no Brasil, de que o país repetisse Cuba e fosse tomado pelo partido Comunista, sob a orientação da União Soviética, a superpotência dominada por uma ditadura que sufocava as religiões e proibia a divulgação da Palavra de Deus.

Esse temor fez com que Dom Oscar, assim como parte dos prelados da Igreja no Brasil e significativas parcelas da população, classificassem a interrupção institucional, ocorrida em abril de 1964, de “revolução necessária”. Pouco tempo depois, quando o regime se revela uma ditadura indigna e cruel, toda a Igreja se une na crítica aos governos militares. Foi um período muito triste para a população brasileira, amordaçada e sujeita às injustiças e violências, próprias dos regimes de exceção. Coube à Igreja exercer um importante papel de resistência, tendo inclusive vários de seus sacerdotes e bispos sofrido com as perseguições do aparelho repressor estatal. A defesa dos direitos humanos pelos membros da Igreja foi algo decisivo para a restauração do estado de direito. A respeito da democracia, são de 31 de março de 1977 as palavras de Dom Oscar:

Liberdade e Democracia bem vividas são uma bênção para o mundo inteiro, para todos os povos.[v]

Nos anos oitenta, Dom Oscar estaria ao lado de seu dileto amigo e principal líder da redemocratização brasileira, Tancredo Neves, nos momentos decisivos de sua trajetória e, por extensão, da vida nacional. Estaria também o Arcebispo junto à família do presidente eleito nos difíceis dias de sua doença. Em uma das visitas que fez ao amigo no hospital, levou a milagrosa cruz de Dom Viçoso, na fé e esperança que o Santo Bispo pudesse realizar mais um milagre, mas, pelos desígnios divinos, já estava traçado o destino de Tancredo e da nação.

O arcebispo Dom Oscar foi responsável por uma administração repleta de realizações marcantes para a Igreja marianense. Dessas, uma das mais importantes foi a construção da Cripta, na Catedral Basílica. Dom Oscar achava que os jazigos dos bispos, até então, pouco respeitavam seus restos mortais. No afã de dar aos príncipes regentes da diocese, um jazigo digno da obra de suas vidas, inaugurou a abençoada Cripta em 27 de junho de 1963. Foi durante a exumação dos restos mortais dos prelados, ocorrida um ano antes, que a milagrosa Cruz de Dom Viçoso foi retirada do sepulcro do Santo Bispo.

Na área da educação, obras importantes contaram com o empenho de Dom Oscar, como a fundação dos educandários: Ginásio Dom Frei Manoel da Cruz, em Mariana, Ginásio Nossa Senhora de Brotas, em Entre Rios de Minas e o Ginásio Estadual Dom Silvério de Mariana. A fundação da Faculdade de Filosofia de Mariana da Universidade Católica também foi possível graças ao empenho do Arcebispo. Sua atuação foi destacada e fundamental para a Instituição da Universidade Federal de Ouro Preto, que mais tarde incorporou a Faculdade de Mariana, transformando-a no Instituto de Ciências Humanas e Sociais de Mariana.

Outra iniciativa de Dom Oscar marcante para a população de Mariana, principalmente àqueles mais desamparados, foi a doação de terras da Arquidiocese para a construção de 132 casas populares no bairro São José.

Dom Oscar incentivou inúmeras obras sociais na cidade, como as operosas Obras Sociais Monsenhor Horta, fundadas, em 1959, por um dos mais queridos e ativos membros da Igreja em Mariana, Monsenhor Vicente Dilascio que, em 1986, seria nomeado, por Dom Oscar, Vigário Geral da Arquidiocese, função que exerceria com primor, sabedoria e benevolência até seu falecimento em abril de 2005.

Em 1970, sob a liderança de Monsenhor Dilascio e com o apoio de Dom Oscar, foi fundado o Hospital Monsenhor Horta de Mariana, que integra as obras sociais, que teve por fim prosseguir o inesquecível trabalho social do sempre lembrado e caridoso clérigo que lhe deu o nome.

Seguindo a orientação do Concílio Vaticano II, Dom Oscar foi um apóstolo da Boa Imprensa e soube utilizar dos meios de comunicação para levar, o mais longe possível, o amor a Jesus Cristo e à Santa Igreja. Além do semanário “O Arquidiocesano”, fundou também a rádio Congonhas e a editora Dom Viçoso.

Coube também ao terceiro Arcebispo de Mariana retomar os trabalhos pela abençoada causa da beatificação de Dom Viçoso, iniciada em 1916, por Dom Silvério. Por mais de vinte anos, foi realizado um complexo trabalho de recuperação e organização dos documentos deixados pelo trabalho do primeiro Arcebispo. Dom Oscar compôs a oração de Dom Viçoso e para reviver a memória do honrado bispo, orientou a publicação dos relatos das visitas pastorais de Dom Viçoso, em 1963, no “O Arquidiocesano” e, dois anos depois, o lançamento da biografia “Dom Viçoso, Apóstolo de Minas”, de autoria de Dom Belchior Joaquim da Silva Neto.

Em 1964, quem cuidou diretamente de coordenar os trabalhos do Tribunal Eclesiástico foi o Cônego Mauro de Faria. Realizou um trabalho cuidadoso, interrompido somente com sua morte em 1968. O processo voltaria a tomar bom ritmo em 1975, com o apoio de Dom Lázaro Neves e dos Oficiais da Cúria. Todos os documentos e manuscritos de Dom Viçoso são datilografados e o Tribunal é reconstituído. Sob a coordenação do Delegado Episcopal do processo, o proeminente Monsenhor Flávio Carneiro Rodrigues, o processo recebe do Vaticano, em 1986, aprovação em primeira instância, o que significou um importante progresso para a realização do intento de honrar o bondoso Apóstolo de Minas com as honras de um merecido Altar.

No campo artístico-cultural, a contribuição de Dom Oscar também foi imensa. Suas iniciativas nessa área foram várias e de inestimável valia para a preservação da memória da cultura brasileira. Em 1965, fundou oficialmente o Arquivo Eclesiástico de Mariana, que tornou mais eficiente a guarda e conservação dos importantes documentos e obras que compõem o acervo da Arquidiocese. Foi Dom Oscar quem fundou o Museu Arquidiocesano de Arte Sacra, em Mariana, dotado de precioso acervo com obras dos mais importantes períodos da arte mineira e de muitos de seus principais expoentes.

Dom Oscar fundou ainda o Museu da Música, que reúne importante conjunto de manuscritos, partituras e instrumentos musicais, tendo sido o primeiro do Brasil, dedicado à música nacional setecentista e um dos mais importantes do gênero no mundo. A constituição desse valioso acervo teve início em 1966, quando Dom Oscar decidiu reunir e organizar todo o grande volume de documentos musicais guardados na Catedral e espalhados pelas paróquias da Arquidiocese. O grande impulso se deu a partir da doação de um extenso e belo acervo de uma família de músicos de Barão de Cocais. Foi a partir dessas obras que o músico e musicólogo, Pe. José de Almeida Penalva, criou as bases para a organização do catálogo do Museu. Seus critérios foram observados em todos os grandes trabalhos arquivistas realizados pelo Museu posteriormente, como o liderado por Maria da Conceição Rezende entre 1972 e 1984, e o realizado em parceria com a Petrobras e o Santa Rosa Bureau no início do século XXI.

Foi também pelo empenho de Dom Oscar que foram criados o Museu do Livro, que reúne o vastíssimo acervo de livros da Biblioteca dos Bispos e constitui uma fonte de valor imensurável para estudos e pesquisas históricas e o Museu dos Móveis, que guarda exemplares do mobiliário dos séculos XVII e XVIII.

Outra memorável obra cultural de Dom Oscar foi a restauração do precioso órgão “Arp Schnitger”, presente de Dom João V à Diocese, durante o Episcopado de Dom Frei Manoel da Cruz, que, há quase meio século, encontrava-se em silêncio devido às avarias sofridas pela ação do tempo e pela conservação equivocada. O minucioso trabalho de restauração, executado por uma empresa alemã, devolveu ao instrumento toda a magnitude que possuíra outrora. Em dezembro de 1984, o raro instrumento voltou a encantar os ouvidos marianenses. Atualmente, os concertos são realizados periodicamente e o órgão, reconhecido internacionalmente por seu valor cultural, é um dos orgulhos da população da cidade.

Para garantir apoio material à diocese para a manutenção de seu complexo cultural, Dom Oscar instituiu, em 1986, a Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese, repetindo a experiência, agora em maiores proporções, de três décadas atrás, quando ainda pároco, e empenhou-se pela criação da Fundação Marianense de Educação. Ambas as iniciativas, ao seu tempo, foram responsáveis pela aglutinação de pessoas e setores sociais empenhados em preservar a cultura e incentivar a educação. Assim como Dom Helvécio, recebeu a medalha da Ordem do Mérito Educativo por sua contribuição à causa no país. Por mais de dez anos, entre 1972 e 1983, fez parte do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico, tendo atuado como membro curador e vice-presidente.

Dando prosseguimento à obra de seus predecessores, Dom Oscar agiu, sempre com muito zelo, em relação ao Seminário, principalmente incentivando a Obra das Vocações Sacerdotais (OVS). Foi durante seu episcopado que se encerrou o convênio com os lazaristas que, há mais de um século, desde Dom Viçoso, coordenavam a Instituição. A partir de 1967, por determinação do Arcebispo, o Seminário passa aos cuidados do clero secular diocesano e, sob o olhar sábio e atento de Dom Oscar, volta a viver seus melhores dias. Construiu o novo edifício do Seminário Menor e a Capela em honra a Nossa Senhora da Assunção.

Ao longo de toda a vida, Dom Oscar jamais deixou de estudar com a disposição de um aprendiz. Foi um dos maiores especialistas em Direito Canônico do seu tempo. Nos retiros e encontros do clero de que participava, não raramente era o escolhido para refletir e responder às dúvidas canônicas dos seus pares. Em 1951, editou, para estudos dos seminaristas de Mariana, uma substancial obra de mais de 500 páginas, intitulada “De Delictis Et Poenis”, em que discorre, com propriedade, sobre o Livro V do Código de Direito Canônico. Sobre as novidades de tal matéria, esteve sempre muito bem informado. Em 1983, por ocasião da promulgação do novo Código, assimilou em curto tempo todos os 1752 cânones, agrupados em sete livros. Após um estudo comparativo com os cânones antigos, publicou, em “O Arquidiocesano”, as principais modificações. Várias das sugestões, enviadas pelo Arcebispo de Mariana no período de concepção do novo Código, foram aceitas em sua redação final.

Além de jurista brilhante, Dom Oscar foi também um talentoso poeta e escritor. Publicou uma dezena de livros. Em 1958, foi editado pela Tipografia da Escola Profissional de Pouso Alegre: “Nossa senhora das Brotas, seu Culto em Portugal e no Brasil”. Nessa obra, Dom Oscar compôs um importante painel histórico do culto à Nossa Senhora, na Península Ibérica, nos primórdios do Cristianismo e da devoção à Nossa Senhora de Brotas na paróquia de sua terra natal, Entre Rios de Minas.

Também sobre Nossa Senhora, lançou, pela editora Dom Viçoso, em 1968, uma coletânea de artigos, intitulada “Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe dos Homens”, em que, outra vez, dá exemplo de sua enorme fé e devoção à Nossa Rainha. Para auxiliar os alunos do Seminário, foi também autor de várias apostilas e livros didáticos. O livro ilustrado “As Mais Belas Histórias da Bíblia”, lançado em 1962, tinha, como público-alvo principal, as crianças. Sobre o exercício da Fé, lançou “A Fé”, em 1969, e “Santíssima Eucarística – Inefável Mistério da Fé”, em 1970, ambos pela editora Dom Viçoso. Escreveu, ainda, bela obra dedicada à família em 1974 em que apregoa: Salvar a Família para salvar a Pátria.[vi]

Quando discorre sobre o ato de educar, o faz com extrema sabedoria:

Não satisfazer a criança em todas as suas vontades. Não exigir, porém, que ela tenha compreensão de adulto. Procurar entender o seu pequeno mundo psíquico. Muitas vezes, a criança comete erros sem apreender-lhes a malícia. Uma boa palavra, em vez de grosseira repreensão, causará melhor efeito.[vii]

Publicou também “Sagrado Coração de Jesus”, em 1976, que foi dedicado a Dom Helvécio e que versa sobre o Sagrado Coração e o Apostolado da Oração. Em 1979, veio à luz a obra “Moinho D’ Água” e, em 1987, “Estância de Saudades”, ambas coletâneas de suas poesias. Ocupou cadeiras na Academia Marianense, Barbacenense e Mineira de Letras. Nesta última, teve a honra de ser empossado na cadeira que antes havia sido do Cardeal Motta.

Ao longo dos 29 anos em que ocupou o trono marianense, Dom Oscar foi um pastor amigo e caro aos fiéis. Esteve junto à população diocesana, nos mais importantes momentos do período. Foi assim quando recepcionou, na sede Episcopal, as imagens do Nosso Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em 1964, e a Sagrada Imagem da Padroeira do Brasil, em duas oportunidades: em 1961 e 1965. Outro importante acontecimento que em muito alegrou o Arcebispo se deu em 1961, quando a Catedral da Sé em Mariana foi honrada com o título de Basílica Menor.

Todas as paróquias da diocese puderam sentir a presença iluminada de Dom Oscar. Realizou as visitas pastorais com o zelo missionário, próprio do Apóstolo dedicado que foi, e aqui, mais uma vez, honrava a obra de seus predecessores, dando-lhe fiel continuidade. Empenhou-se pela instituição das dioceses de São João del-Rei, oficializada em 1960 e de Itabira, mais tarde Itabira-Fabriciano, ocorrida cinco anos depois.

Em 1987, aos setenta e cinco anos de idade e cinqüenta e dois dedicados exclusivamente à Santa Igreja e à sua missão de Fé, seguindo às normas canônicas, Dom Oscar apresenta ao Representante do Papa e ao rebanho de Mariana sua renúncia ao trono de Mariana com a disposição de iniciar-se em um período de merecido descanso. A notícia causou sincera tristeza ao clero e aos fiéis diocesanos, que somente seria amainada quando da nomeação de seu substituto. Dando prosseguimento à abençoada tradição de se prover o trono de Mariana com expoentes da mais alta dignidade cristã, em 1988, foi nomeado Arcebispo de Mariana, um dos mais destacados prelados da Igreja Brasileira e ícone da defesa dos direitos humanos, Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, saudado por Dom Oscar como

(…) preclaro filho de Santo Inácio de Loyola, dedicado totalmente à maior glória de Deus e ao bem de todos os Irmãos.[viii]

Após seu recolhimento pastoral, o Arcebispo Emérito Dom Oscar foi viver em sua querida Entre Rios de Minas. Regressou a Mariana na Semana Santa de 1990, quando presidiu o cerimonial, em atendimento ao pedido de Dom Luciano, que se encontrava em recuperação de um trágico acidente automobilístico.

Em fevereiro de 1997, Dom Oscar de Oliveira recebe o chamado de Deus. Faleceu em casa, na madrugada do dia 23, durante o sono. Seu corpo foi velado na Matriz de Nossa Senhora das Brotas, a Santa de sua maior devoção, e, em seguida, o cortejo fúnebre se dirigiu a Mariana, onde Dom Luciano, bispos, sacerdotes e uma multidão de fiéis consternados o aguardavam para se despedir do estimado amigo a que partira para viver a eternidade ao lado daquele de quem por toda vida esteve próximo, o Pai.

A memória do terceiro Arcebispo de Mariana terá sua perpetuação garantida, para além dos anos, por sua identidade com o povo e por seu exemplo de conduta e espiritualidade. Em 1999, foi publicada sua biografia, escrita pelo Cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho, “Dom Oscar de Oliveira: Um Apóstolo Admirável”, um retrato fidedigno de sua vida e personalidade. Outra obra, ainda inédita, de autoria do Monsenhor Flávio Carneiro Rodrigues, também traz a vida do Arcebispo em detalhes e com profundidade, desde a infância até sua atuação no trono episcopal de Mariana.

Muito do que é uma pessoa pode ser lido em suas palavras.

A caridade é a base, o fundamento, o distintivo da Religião Cristã. Amplíssimo é o campo da caridade – material, espiritual, moral. No campo material, pode ser vasta sua atividade: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, dar pousada aos peregrinos, visitar enfermos e encarcerados; enterrar os mortos.[ix] 

Fonte: SANTIAGO, Marcelo Moreira. et al. Igreja de Mariana. 261 anos de história. 100 anos como Arquidiocese: 1906-2006. Mariana: Gráfica Dom Viçoso, 2007, p. 121-138.

[i] O mesmo que pároco ou abade.

[ii] CARVALHO, Côn. José Geraldo Vidigal. Dom Oscar de Oliveira: um apóstolo admirável. p. 43. (ARQUIDIOCESANO 1,1)

[iii] O ARQUIDIOCESANO, no 227 – 19.01.1964.

[iv] O ARQUIDIOCESANO, no 228 – 26.01.1964.

[v] CARVALHO, Côn. José Geraldo Vidigal. Dom Oscar de Oliveira: um apóstolo admirável. p.111.

[vi] CARVALHO, Côn. José Geraldo Vidigal. Dom Oscar de Oliveira: um apóstolo admirável. p.122.

[vii] Ibidem.

[viii] RODRIGUES, Monsenhor Flávio Carneiro. Anschari, marianenses vndecimi episcopi necnon tertii archiepiscopi. BACVLVM MITRAOVE. Cúria Metropolitana. 1989. p.98.

[ix] OLIVEIRA, Dom Oscar de. “O ARQUIDIOCESANO” – Nº 253 – 19/07/1964 – p.01.

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