In nomine Jesu (Em nome de Jesus)
Servo de Deus
A escolha do quarto Arcebispo de Mariana, em abril de 1988, foi um presente para a população mineira e um reconhecimento à importância histórica e política da Arquidiocese primaz de Minas Gerais. Dom Luciano Mendes de Almeida era o então presidente da CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, e uma das mais respeitadas vozes da Igreja no Brasil e na América Latina. Desde o início do seu episcopado, mostrou-se um pastor dedicado e hábil realizador. Talvez, de suas inúmeras virtudes, aquela que mais toca ao coração dos diocesanos seja a que melhor define a atuação dos discípulos de Santo Inácio, sua disponibilidade ao próximo.
Não obstante estivesse cansado ou fosse tarde da noite, Dom Luciano, sempre que podia, procurava dar conforto espiritual aos que sofriam. Visitava o enfermo, escutava o angustiado, socorria. Para ele, partilhar do sofrimento de um irmão era compartilhar o Amor de Deus. Quantos homens, mulheres ou crianças não teriam sido salvos da desesperança por uma palavra sua, em uma noite difícil? E quantos outros não teriam sido tocados pelo amor e levados à prática da caridade a partir da luz de seu exemplo? Falar de Dom Luciano é falar de suas virtudes, mesmo que os elogios não sejam caros a sua pessoa, afinal, em sua opinião e para o bem do mundo, “são as causas que importam.” A ele, admirável pastor da Arquidiocese de Mariana, nossa eterna gratidão por sua presença, testemunho e incomum santidade e solicitude.
Luciano Mendes de Almeida nasceu no Rio de janeiro, em 5 de outubro de 1930, filho de uma tradicional família carioca, católica e de vasta bagagem cultural. Seu avô, Cândido Mendes, foi senador maranhense e importante educador, um dos fundadores da Academia do Comércio, instituição que grandes serviços prestou à sociedade, principalmente por ter podido oferecer ensino gratuito àqueles que não poderiam pagar. Seu pai, Cândido Mendes de Almeida, foi jornalista e professor. Sua mãe, Emília de Mello Vieira Mendes de Almeida, foi uma mulher de profundo saber cultural e de inabalável fé. Católica, dedicada e caridosa, criou os sete filhos no amor e no respeito a Deus e veio dela a primeira inspiração para o menino Luciano perceber sua vocação. Já aos seis anos de idade, se perguntado o que seria ao crescer, respondia: padre, mas padre aviador. O espírito aventureiro da criança, no homem se transformaria em coragem e determinação para enfrentar importantes desafios de seu sacerdócio.
Dom Luciano alfabetizou-se e concluiu o ensino médio no tradicional Colégio Jesuíta Santo Inácio do Rio de Janeiro, onde surgiu sua identificação com a operosa Ordem. Os jesuítas estiveram presentes no Brasil desde o descobrimento e foram fundamentais na formação da nação. Após a infame perseguição, imprimida pelo Marquês de Pombal, em 1759, e a conseqüente expulsão da Ordem, os jesuítas voltaram ao país somente em 1842.
O adolescente Luciano tinha predileção por matemática e foi um estudante virtuoso. Gostava de se divertir como caricaturista de seus amigos e familiares. Dava vazão ao seu ímpeto para a aventura, praticando o esporte de escalar montanhas e o escotismo, onde desenvolveu as primeiras experiências de liderança. Ainda bem jovem, fascinou-se por Jesus Cristo e decidiu seguir pelos caminhos do Senhor. Aos dezessete anos, foi para Nova Friburgo, Rio de Janeiro, e iniciou o noviciado no Colégio Anchieta, tradicional centro de formação de jesuítas. Lá também estudou retórica e fez o curso superior de Filosofia. Por dois anos, lecionou no Seminário Menor dos Jesuítas, sob forma de estágio e, em 1955, foi enviado a Roma, com o fim de terminar sua formação.
Estudou Teologia na Universidade Gregoriana de Roma e foi ordenado em 05 de julho de 1958, em Roma, aos vinte e oito anos. No ano seguinte, concluiu sua formação espiritual em Florença e, durante os próximos cinco, dividiu-se entre o trabalho de orientador, junto aos estudantes do Colégio Pio Brasileiro de Roma, e a estruturação de sua tese de Doutorado em Filosofia: A Imperfeição da Inteligência Humana Segundo Santo Tomás.
Na obra, Dom Luciano versa sobre a importância fundamental do amor no processo de formação do conhecimento humano que, quando se dá apenas pelo intelecto, não se dá por completo, pois a inteligência somente é valiosa se formada também com o amor ao próximo e a Deus. Nessa ocasião, teve como mestre orientador, Joseph de Finance e obteve, como ocorrera em todas as etapas de sua formação, desde o ensino fundamental, as mais altas notas e o pleno reconhecimento de suas virtudes por quem o avaliara e ao seu trabalho. Estudioso interessado em filosofia, principalmente dos textos de São Tomás de Aquino, sua formação filosófica foi importante em seu trabalho sacerdotal, à medida que o estudo lhe deu as bases para fundamentar suas mais profundas convicções teológicas e enfrentar seus questionamentos.
Também na cidade eterna, Dom Luciano trabalhou por cinco anos diretamente com encarcerados, desenvolvendo um trabalho missionário de grande alcance social. Cuidava de dar conforto espiritual e conhecimento do evangelho a pessoas em situações difíceis, muitas vezes desesperadoras, e também a suas famílias.
De volta ao Brasil, o padre Luciano foi professor de Filosofia em Friburgo e posteriormente em São Paulo, por quase dez anos. No seio da Ordem dos Jesuítas, ocupou diversos postos importantes. Foi instrutor de Terceira Provação, encarregado da formação final dos padres da ordem, por cinco anos, época em que pôde conviver com um dos mais importantes bispos brasileiros do século XX, Dom Helder Câmara, Arcebispo de Recife. Ao longo da vida, Dom Luciano sempre se referiu, com muito carinho, a Dom Helder, um dos principais fundadores da CNBB e histórico guardião dos direitos humanos.
Entre 1973 e 1975, Dom Luciano atuou como Delegado Interprovincial e vice-presidente da CRB de São Paulo, tendo sido eleito secretário da célebre 32ª Congregação Geral dos Jesuítas. Seria nesse período que conviveria com outro brilhante expoente da Igreja, o padre basco Pedro Arrupe, Superior Geral dos Jesuítas, no conturbado período pós-conciliar, entre 1965 e 1981. Os escritos, atos e o posicionamento do líder dos Jesuítas, pela consolidação das resoluções do II Concílio do Vaticano tiveram grande influência na formação e na vida de Dom Luciano.
A convivência de Dom Luciano com outros dois importantes religiosos também o marcaria pelo resto de sua vida. O Cardeal Francisco Xavier Thuan, com quem teve a oportunidade de tratar por diversas vezes, foi a pessoa que mais o impressionou em todas as situações da sua existência. Em entrevista ao site IHU on line, em 2005, Dom Luciano revelou a admiração pelo Cardeal que, por nove anos, esteve preso e incomunicável em uma prisão do regime comunista vietnamita sem, no entanto, ter perdido a serenidade ou ter tido sua fé abalada. “Foi a pessoa que mais bem me fez na vida e considero uma grande graça tê-lo conhecido.”[i]
O outro religioso que teve influência decisiva na vida do futuro Arcebispo de Mariana foi um dos maiores nomes da defesa dos direitos humanos no Brasil, em especial no difícil período da ditadura militar, Dom Paulo Evaristo Arns, a quem Dom Luciano serviria como bispo auxiliar a partir de 1976.
A nomeação de Dom Luciano para bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, pelo Santo Padre Paulo VI, se deu a partir de indicação do próprio Dom Paulo Evaristo Arns. A sagração ocorreu em 02 de maio de 1976, na Basílica Catedral de São Paulo. Na ocasião, Dom Paulo dirigiu ao novo bispo palavras que Dom Luciano jamais esqueceria. Disse-lhe que o considerava já haver estudado muito, que era professor, sacerdote, formador e rezava. Mas que ainda lhe faltava uma coisa: o povo de Deus. A vida de ministério episcopal lhe daria a presença do povo, o amor pelo povo.[ii] As sábias palavras daquele tão altivo arcebispo iriam falar fundo ao coração de Dom Luciano. De certa forma, nascia ali um dos mais importantes e bem-sucedidos projetos de ação social, no Brasil: a Pastoral do Menor.
Os alicerces, sobre os quais a Pastoral do Menor foi concebida em 1977, remetem às sagradas palavras do Divino Mestre, transformadas em lema da Campanha da Fraternidade de 1987, “Quem acolhe ao menor a mim acolhe”. Tendo sido Dom Luciano um de seus grandes idealizadores, a Pastoral é uma Obra Eclesial de grande alcance social que trabalha para amparar os menores em situação de vulnerabilidade em seus direitos humanos e sociais e para conscientizar a sociedade da necessidade de políticas públicas eficientes para o enfrentamento dessa realidade desafiante.
Quando iniciou seu pastoreio em São Paulo, Dom Luciano foi designado responsável eclesiástico pela região leste da Arquidiocese de São Paulo, região do Belém, que abrange também Tatuapé, São Mateus, Sapopemba, Vila Formosa e Vila Prudente. Região de contrastes sociais, cohabitada pela classe média e por um grande número de famílias em condições de extrema pobreza, habitantes de favelas, cortiços e moradores de rua. Sensibilizado pela situação das crianças, muitas vezes filhos de alcoólatras, órfãos ou abandonados, expostos à sorte do mundo, sem apoio, laços fraternos ou condições para se desenvolverem intelecto e espiritualmente, Dom Luciano liderou o movimento pela salvaguarda e inclusão daqueles menores. Empenhado, foi, a cada gesto e atitude sua, angariando apoios e colaborações, aglutinando pessoas, clérigos e leigos, para fazer da pastoral uma obra social atuante e transformadora.
A ação desta pastoral incluiu a recuperação, organização e a criação de novos orfanatos e creches, nos bairros da região. Para o atendimento dos casos emergenciais, foram criados abrigos. Não raramente, Dom Luciano era visto pela rua, de madrugada, a recolher as crianças desamparadas. Outra marca da ação desta pastoral, são os centros educacionais comunitários que visam à formação profissional dos adolescentes.
Aos menores em conflito com a Justiça, a pastoral trabalha pelo justo julgamento e para dar-lhes condições de regeneração e de ressociabilização. São também preceitos da obra, a preocupação com o amparo espiritual e com a reinserção dessas crianças ao seio familiar.
Dom Luciano coordenou as ações da pastoral com fé, esperança e otimismo, sintetizadas em sua frase: “Esses menores não são o problema, mas a solução”. Foi, com esse espírito, que a Pastoral do Menor se multiplicou e espalhou-se por todo o território brasileiro. Infelizmente, a situação do Brasil não evoluiu como sonham aqueles que, como Dom Luciano, anseiam por justiça social e mais fraternidade. A missão e o sentido das pastorais, como a do menor, permanecem urgentes, assim como a necessidade de cada um dos brasileiros se conscientizar do problema e tomar parte no processo de sua superação. Em entrevista concedida, em outubro de 2005, à revista IHU on line, Dom Luciano expõe essa necessidade com clareza:
A democracia deve se abrir para uma valorização das pessoas e superar aquela fase em que tudo se espera do governo e, quando o governo não responde, há um vazio nas expectativas. Somente depois passa para uma colaboração dos cidadãos nas diversas áreas de saúde, educação, saneamento, segurança, que não são só um direito de todos, mas também um dever de todos.[iii]
Desde os tempos de padre jesuíta e durante todo o seu ministério episcopal, Dom Luciano foi um sacerdote atuante no seio da Igreja, preocupado tanto com as questões doutrinárias quanto de sua missão evangelizadora e social. O jornalista e educador, Cândido Mendes, seu irmão, definiu bem o caráter de sua atuação:
Como padre, vive essencialmente a vocação da generosidade radical e, por isso, com uma visão de mudança. Tem uma única radicalidade, que é a paixão pelo próximo.[iv]
Dom Luciano sempre deixou clara sua opção pelos pobres e pelas crianças, sem, contudo, ter estado na vanguarda da defesa de outras causas importantes, como a dos direitos humanos dos perseguidos políticos da ditadura militar, principalmente no período em que colaborava com a capelania de várias faculdades e universidades e atuava ao lado de Dom Paulo Evaristo Arns, na Arquidiocese de São Paulo. Nessa época, o trabalho desenvolvido pela CNBB – Conferência Nacional de Bispos do Brasil teve importância fundamental na luta contra as arbitrariedades do regime. Em 1979, Dom Luciano foi eleito secretário da entidade, cargo que, com a reeleição, ocuparia até 1987, quando seria eleito presidente da CNBB, por dois mandatos, para um período de oito anos.
Segundo o próprio Dom Luciano, uma das características mais marcantes da CNBB, no período da ditadura, foi a grande união que existiu entre bispos, padres e leigos, o que possibilitou à Igreja agir de forma conjunta e ordenada, tanto para enfrentar os abusos e as perseguições do regime, quanto para despertar a consciência das pessoas para a necessidade da retomada da democracia política e da realização da democracia social.
Desde sua instituição em 1952, a CNBB desenvolveu campanhas e ações pela inclusão dos deficientes, desamparados e das minorias sociais. As campanhas da fraternidade são até hoje uma importante bandeira pela democratização das oportunidades e observância dos direitos humanos.
Dom Luciano teve também papel destacado como membro e vice-presidente do Conselho Episcopal para a América Latina (CELAM). Esteve presente à importante Conferência de Puebla, em 1979, no México, que deu continuidade a célebre Conferência de Medellin de 1968, em que a Igreja latino-americana reafirmou sua opção pelos pobres, por uma atuação social mais contundente e pela adoção plena das resoluções do II Concílio do Vaticano.
Durante a Conferência de Puebla, que contou com a honrosa presença do Santo Padre João Paulo II, a atuação de Dom Luciano foi celebrada principalmente pelo caráter conciliador, capaz de aliar posições, aparentemente antagônicas, em resoluções que buscavam a unidade da Igreja e a promoção da justiça social no continente. Dom Luciano esteve também presente à conferência de Santo Domingo em 1992, tendo sido nomeado moderador da comissão encarregada de redigir o documento.
A serviço do CELAM, Dom Luciano entrou em contato com as realidades dos demais países latino-americanos, o que em muito contribuiu para lhe aguçar a consciência para a América Latina. A realidade difícil das populações de vários países sempre despertou nele a vontade de ajudar e de trabalhar pela superação dos enormes problemas do continente. Dom Luciano foi um dos três bispos presentes ao funeral de Dom Oscar Romero, em El Salvador, em 1980. O valoroso prelado, defensor dos direitos humanos e herói da América Latina, foi assassinado por um militante de ultradireita durante a terrível guerra civil que castigou a população daquele país, por doze anos, entre 1980 e 1992. Foi um dia tenso, marcado pela violência e pela comoção. Enquanto a população ainda chorava a morte do estimado pastor, as ruas eram tomadas pelos confrontos, explosões e mortes. A presença de Dom Luciano e dos demais bispos, mais que uma demonstração de coragem e desprendimento, teve uma importância simbólica muito grande, pois representava a unidade da Igreja Latino-Americana e que seus propósitos de justiça social não seriam ameaçados pelas dificuldades ou pela ação truculenta de governos ou de paramilitares.
Em 1987, Dom Luciano viajou ao Líbano, durante o conflito religioso que tomou conta daquele país. Esteve reunido com religiosos de diferentes correntes islâmicas e cristãs em busca de entendimento e pacificação. Voltou ao Brasil extremamente comovido com a triste situação que vivia aquele povo, àquela época.
No Brasil, acompanha de perto e entristecido as injustiças e violências que envolveram e ainda envolvem a questão agrária no país, especialmente os assassinatos dos padres João Bosco Burnier, em 1976, no Mato Grosso; Ezequiel Ramim, em Roraima, em 1985; Josimo Moraes Tavares, em 1986, no Maranhão, e da missionária Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, no Pará. Todos estes, que se somam a outros tantos, foram mortos em razão da atuação pela justiça social no campo. Sobre a questão, Dom Luciano sempre foi um ativo defensor da reforma agrária e um incansável batalhador pela pacificação das áreas rurais. Em abril de 1988, um ano após ter sido eleito presidente da CNBB, Dom Luciano Mendes de Almeida foi nomeado quarto Arcebispo de Mariana. Sua chegada representou um grande impulso à ação pastoral da Arquidiocese. Realizou visitas pastorais, procurou ser voz presente nas inúmeras paróquias e participar ativamente das questões eclesiásticas locais. Uma de suas primeiras ações foi organizar a Arquidiocese em cinco regiões pastorais (norte, oeste, leste, centro e sul) e constituir os vicariatos regionais para facilitar a administração arquidiocesana e impulsionar a evangelização e os serviços pastorais. Promoveu Planos de Evangelização e, seguindo o trabalho iniciado por Dom Oscar e as orientações do II Concílio, trabalhou de forma ardorosa por uma maior atuação dos leigos no seio da Igreja e na sociedade. As assembléias de pastoral, promovidas por Dom Luciano, sempre com grande participação de leigos, foram como um sopro de frescor à Arquidiocese. Ao longo de seu episcopado, até 2006, foram realizadas quatorze assembléias. O Plano de Evangelização segue a máxima de evangelizar a sociedade para fazer desta um sinal do Reino da Verdade, Justiça e Paz do nosso Deus.
Com Dom Luciano, foram organizados ou reestruturados os muitos conselhos, em suas várias instâncias, como o Conselho Arquidiocesano de Pastoral (CAP), o Conselho para Assuntos Econômicos (CAE), o Conselho Presbiterial, a Comissão dos Diáconos Permanentes, o Conselho dos Leigos (CLAM) e, nos seus desdobramentos, os conselhos regionais, paroquiais e comunitários. São ações que têm propiciado maior evangelização, melhor organização pastoral e mais visibilidade e representatividade dos vários serviços e segmentos conduzidos pela Arquidiocese de Mariana.
Também se empenhou pela organização da biblioteca do Seminário São José e pela reorganização das pastorais, principalmente aquelas destinadas aos jovens e aos pobres da área rural e das periferias do meio urbano, adaptando a realidade de Mariana às experiências que havia vivido no pastoreio em São Paulo e o seu profundo conhecimento das realidades brasileira e latino-americana.
Ao longo de sua atuação como pastor da Igreja de Mariana, Dom Luciano exibiu notável zelo em relação ao Seminário e à formação do Clero. Atuou sempre próximo aos presbíteros e seminaristas. Somente na Arquidiocese, até 2006, ordenou 96 sacerdotes. Em suas pregações nos retiros, homilias e nos demais encontros com os vocacionados, procurou incrementar o ideal missionário dos seminaristas e prepará-los para servir à Igreja em sua realidade local sem, no entanto, perder de vista o amplo horizonte missionário. Por diversas vezes, se dirigiu aos jovens seminaristas, lembrando-lhes sobre a importância de se concretizar o amor a Jesus Cristo, servindo aos mais necessitados. Com vistas à excelência na formação dos sacerdotes, Dom Luciano procurou possibilitar ao maior número possível de padres a oportunidade de especializarem-se em universidades no Brasil e em Roma.
Com Dom Luciano, a Arquidiocese de Mariana passou a oferecer aos seus sacerdotes e diáconos dois momentos distintos de retiro: um no começo do ano, contemplando principalmente as regiões sul e oeste e outro na metade do ano, para as regiões centro, leste e norte. A partir de 1991, a Arquidiocese passou a promover anualmente encontros de presbíteros e diáconos. É também obra de Dom Luciano, a instituição do Diaconato permanente na Arquidiocese que, em 2006, já contava com quinze diáconos permanentes.
Às Igrejas particulares, reservou solidariedade e apoio fraternal, buscando ajudá-las em suas dificuldades e procurando fazer com que os clérigos diocesanos compartilhassem dessa mesma atitude. Demonstrou especial carinho para com as ordens religiosas que mantêm várias escolas, hospitais, asilos e orfanatos na Arquidiocese e em Minas Gerais.
Sobre a relação de Dom Luciano com os padres, o Pe. Geraldo Martins Dias, representando os presbíteros da Arquidiocese, escreveu no livro “Dom Luciano. Luz, Ternura e Serviço”, editado durante as comemorações do jubileu de prata episcopal do Arcebispo:
Sabe fazer-se presente nos momentos mais importantes do padre. Jamais cobrou obediência cega a quaisquer de suas orientações. (…) O nosso presbitério louva e agradece a Deus pelo que Dom Luciano representa para a Igreja de Mariana e do Brasil.[v]
A respeito da recuperação e conservação do patrimônio artístico e cultural da Arquidiocese, Dom Luciano deu continuidade à obra de seus antecessores. Trabalhou incansavelmente para obter, junto à iniciativa privada e aos órgãos públicos, recursos para obras de restauração de templos importantes, expressão maior do barroco mineiro. Ao todo foram mais de 35 igrejas reformadas diretamente e outras dezenas que receberam seu apoio e orientação.
Na sede episcopal, empenhou-se, de modo especial, pela total recuperação da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, após sua destruição por um lamentável incêndio, ocorrido em 1999, e pela restauração das Igrejas de São Pedro, de Nossa Senhora Rainha dos Anjos e de São Francisco de Assis. Completou o trabalho iniciado por Dom Oscar na restauração do órgão “Arp Schnitger”, que está na Catedral Basílica, além de ter trabalhado também pela reforma do antigo Palácio dos Bispos, construído em 1749, e que, a partir de 2006, passa a abrigar o Centro Cultural Dom Frei Manoel da Cruz, onde será a nova sede dos Museus do Livro e da Música.
No final da década de 1980, tanto o Museu da Música quanto o Museu do Livro foram transferidos para o novo Palácio Arquiepiscopal, na praça Gomes Freire. Na residência de Dom Luciano, os acervos foram cuidadosamente preservados pelo trabalho do Monsenhor Flávio Carneiro Rodrigues. Mais uma vez dando continuidade à obra de seu predecessor, Dom Luciano empenhou-se pela conservação do valioso acervo musical reunido por Dom Oscar, ao longo de todo o seu pastoreio. A partir de 2001, a Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana, conjuntamente com o Santa Rosa Bureau Cultural e a Petrobras, realizaram um importante e belo projeto de publicação e gravação das obras musicais do acervo de Mariana. A iniciativa deu origem a uma coleção de CDs e cadernos de partituras que trouxeram à luz do século XXI obras de artistas que fizeram, da fé e devoção do povo mineiro, a inspiração para suas músicas, agora conservadas e ao alcance de artistas e pesquisadores, tendo, assim, atestado o caráter de sua imortalidade.
Durante o pastoreio de Dom Luciano, ainda sob a supervisão do Monsenhor Flávio, em âmbito arquidiocesano, o processo de canonização de Dom Viçoso seguiu seu rumo, em ritmo esperado. A Santa Sé trata todos os processos dessa ordem, com o rigor que a complexidade da questão exige e agindo tal qual a Providência Divina a encaminha. Em 23 de abril de 2003, recebeu aprovação um exame detalhado das virtudes praticadas em grau elevado por Dom Viçoso, que havia sido elaborado pelo Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese. O ritmo dos encaminhamentos do processo deverá ganhar impulso a partir da comprovação, por ampla documentação de um milagre concedido pela intercessão do santo bispo de Mariana.
Em 1990, Dom Luciano, sensibilizado pela situação difícil de grande empobrecimento das comunidades rurais da Arquidiocese, criou o projeto CEPA (Comunidade Educativa Popular Agrícola) que auxilia os pequenos agricultores a encontrar soluções viáveis para a sua permanência no campo e meios para se desenvolverem como pessoas e cristãos. A experiência rendeu resultados valiosos, inicialmente na comunidade de Piranga e, mais tarde, quando foi levada a outras localidades.
Atuou, desde sua chegada, com enorme zelo pela recuperação de toxicômanos e alcoólatras. Deu apoio irrestrito às instituições, como o Núcleo de Apoio ao Toxicômano (NATA), à Casa Nossa Senhora do Silêncio, em Itabirito, e à Comunidade Terapêutica Bom Pastor, em Ouro Branco, destinadas à recuperação de dependentes químicos. Também atuou para a criação de outras modalidades de atendimento com mesmo fim, nas demais paróquias da Arquidiocese. O Centro de Valorização da Vida (CEVAVI) foi criado, por sua solicitação,
em 1999, destinado a propagar por todas as paróquias a idéia do planejamento natural familiar. O CENPLAFAM, outra organização que Dom Luciano ajudou a fundar, prepara os instrutores e usuários do método natural MOB – Método de Ovulação Billings, de prevenção à gravidez, valorizando o sagrado direito à vida e a paternidade responsável.
Outra instituição que pôde contar com o carinho, a consideração e o apoio de Dom Luciano foi a “Obras Sociais de Auxílio à Infância e à Maternidade Monsenhor Horta”, fundada e dirigida com amor e zelo incomuns, por décadas, pelo Monsenhor Vicente Dilascio, responsável por beneficiar e auxiliar jovens, crianças, idosos e mães carentes de toda a região.
Para atender às crianças e aos jovens deficientes físicos de Mariana, Dom Luciano concebeu e fundou a Casa da Figueira, instituição que trabalha pela inclusão e pelo desenvolvimento pleno das capacidades daqueles que são portadores de necessidades especiais. O Arcebispo procurou incentivar e dar apoio a outras obras da Arquidiocese destinada ao mesmo nobre fim.
Mais uma vez reafirmando sua opção pelos pobres e pelas crianças, fundou a Escola Profissionalizante de Artes e Ofícios São José, sediada em Mariana, que se destina à formação profissional e espiritual dos menores carentes da região.
Na manhã de sexta-feira, 23 de fevereiro de 1990, Dom Luciano sofreu um gravíssimo acidente automobilístico que, por pouco, não lhe causa a morte. A notícia deixou toda a Arquidiocese consternada. Um de seus acompanhantes, o padre Ângelo Mosena (SJ) havia falecido e Dom Luciano se encontrava entre a vida e a morte. O povo, apreensivo, seguindo seu exemplo de fé, lhe dedicou preces e novenas durante todo o tempo em que ele se empenhava na difícil luta pela vida. Por meio de quase 2000 cartas, chegaram-lhe votos por seu restabelecimento, de todas as partes do mundo. Sua recuperação foi lenta e difícil, teve que passar por catorze cirurgias; em apenas um braço, havia sofrido mais de vinte fraturas. Por muito tempo, impossibilitado de falar, comunicava-se através de bilhetes para se manter informado sobre as coisas da Arquidiocese e sobre as demais vítimas do acidente.
Durante o tempo necessário para a sua recuperação, Dom Luciano e o rebanho de Mariana contaram com o empenho de seu vigário geral, Monsenhor Vicente Dilascio na condução dos assuntos da Arquidiocese. Discípulo de Monsenhor Horta, o grande realizador Vicente Dilascio marcou época em Mariana, por seu exemplo de fé e devoção e por sua ação contundente pelos pobres e necessitados. Além das Obras Monsenhor Horta e do Hospital de mesmo nome, o Monsenhor contribuiu decisivamente para a fundação do Lar Comunitário Santa Maria, da creche Casinha de Nazaré, da Casa da Criança Jesus, Maria e José, do Centro Promocional Cônego Renato, dentre outros, tendo servido, com zelo e obediência, a três arcebispos: Dom Helvécio, Dom Oscar e Dom Luciano. Faleceu em abril de 2005, aos 81 anos de idade, deixando órfã toda a cidade.
Apesar da presença iluminada do Monsenhor Vicente Dislacio e de vários outros sacerdotes, era notória a tristeza que a forçada ausência do arcebispo causava aos fiéis. A Irmã Francisca Anselma Ferreira, então coordenadora Arquidiocesana da Pastoral da Criança e do Menor, relata que, durante o longo processo de recuperação de Dom Luciano, ouviu de uma mulher do povo: “Quando a senhora se encontrar com Dom Luciano, diga a ele que volte depressa, pois estamos aqui como ovelhas sem pastor.”[vi]
Palavras carregadas de verdade acrescenta a religiosa.
Na homilia em ação de graças pela recuperação de Dom Luciano, o eminentíssimo Cardeal Dom Serafim Fernandes nos brinda com a definição tão simples quanto profunda: “Dom Luciano ama a cada pessoa com a mesma naturalidade com que toma um copo de água. Nele a caridade flui.”[vii]
Sobre os acontecimentos, certa vez Dom Luciano disse:
Mais que uma peripécia quase miraculosa, foi uma profunda experiência espiritual e eclesial. Foram as comunidades que me trouxeram à vida, por sua fé, seu jejum por minha saúde e suas esmolas para pagar as operações.[viii]
Por várias vezes disse atribuir a Dom Viçoso, a especial graça de ter tido sua vida preservada.
Durante toda a sua trajetória episcopal, Dom Luciano, seguindo as orientações do II Concílio do Vaticano, soube bem como utilizar dos meios de comunicação para difundir a Boa Nova de Nosso Senhor Jesus Cristo, especialmente a partir de sua atuação na CNBB, que o fez conhecido e admirado em todo o Brasil. Em Mariana, organizou a pastoral da Comunicação, adquiriu a rádio Fama, trabalhou pela melhoria da rádio Congonhas e criou o Departamento de Comunicação da Arquidiocese (DACOM).
Durante seu ministério, não houve assunto importante no país e no mundo sobre o qual Dom Luciano não tenha sido convidado a colaborar. Zeloso tanto nas questões doutrinárias quanto na sua missão evangelizadora e social, ele foi moderado no discurso e radical na ação, assumindo corajosamente posição sempre sábia e fraterna e atuando de forma decisiva em situações e fatos da vida religiosa, social e política. Escrevia semanalmente, aos sábados, uma coluna no Jornal “Folha de São Paulo” e, aos domingos, no jornal “O Tempo”. Seus artigos são reproduzidos em outros jornais e revistas do Brasil inteiro, em informativos da CNBB e, em especial, no jornal da Arquidiocese: “O Pastoral”.
Em 1987, sua atuação foi decisiva quando o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) foi levianamente acusado por um grande jornal brasileiro de representar interesses escusos de mineradoras estrangeiras. A defesa incontestável da entidade e da causa indigenista feita por Dom Luciano levou o jornal a se retratar publicamente e conferir ao CIMI justo direito de resposta. Em artigo de novembro de 2004, mais uma vez Dom Luciano trouxe a causa indígena à reflexão nacional: “É tempo de garantirmos a plena cidadania, as condições de desenvolvimento, a tranqüilidade e a alegria às nossas populações indígenas.”
Em maio de 2005, Dom Luciano foi homenageado pelo Congresso Nacional, em sessão solene na Câmara dos Deputados, em Brasília. Em seu pronunciamento ressaltou:
Estava pensando no sentido do que estamos aqui fazendo. E eu vi que são as causas que importam: terra, trabalho, as populações indígenas, os quilombolas. (. )
Neste momento, sou alguém que ajuda para que estas causas estejam presentes nesta casa.[ix]
Fez questão de lembrar dos amigos e militantes que haviam perdido sua vida por essas causas, como o operário Santo Dias, o índio Guarani-Kaiowá Marçal de Souza e Irmã Dorothy Stang. Ao se lembrar de Joílson, “morto a ponta-pés em São Paulo”, emocionou-se e a todos comoveu. “Estas pessoas nos incentivam a acreditar que, se nós somos destinados à felicidade, podemos experimentar um pouco disso aqui.”
Segundo Dom Luciano, a busca por essa felicidade “exige de nós mudanças comportamentais, alterações no nosso modo de vida, e um outro regime sócio-político-econômico”.[x] Além de políticos, sacerdotes, religiosos e fiéis leigos da Arquidiocese de Mariana, que fizeram caravanas para prestigiar seu amado Arcebispo em Brasília, um grupo de aproximadamente 200 trabalhadores rurais sem-terra participaram da solenidade. Ao final da sessão, o Arcebispo foi mais uma vez homenageado, desta vez pelo povo, representado ali pelos trabalhadores sem-terra que entoaram seu canto de luta, assistido até o final por um Dom Luciano comovido.
Devido às funções que exerceu na CNBB, Dom Luciano teve a oportunidade de conviver de forma próxima com o papa João Paulo II e acompanhá-lo durante as três visitas pastorais feitas pelo Romano Pontífice ao Brasil, em 1980, 1991 e 1997. Sobre ele, Dom Luciano sempre se referiu com carinho, respeito, amor à Igreja e deferência para com a pessoa do papa e suas orientações:
Entre os muitos méritos de seu pontificado é preciso por em relevo a sua mensagem de globalização da solidariedade e de solicitude pelos excluídos. O Santo Padre, com efeito, nos exorta a amar a todos e a incluir no mesmo amor fraterno os que são marginalizados pela sociedade.[xi]
Em entrevista à Folha de São Paulo, em abril de 2005, falou sobre a escolha de Bento XVI:
É o momento em que devemos recordar as palavras de Jesus Cristo ao apóstolo São Pedro: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. A eleição de um papa difere de outras eleições porque a Igreja conta com a especial proteção divina. Isso é importante porque não se trata de fazermos uma avaliação na base apenas das qualidades de quem é escolhido, mas devemos sempre confiar na proteção divina.[xii]
Em janeiro de 2006, Dom Luciano escreveu artigo em que falou sobre a 1ª Encíclica de Bento XVI. “Faz-nos bem a todos ler a primeira Carta Encíclica do Papa Bento XVI. Bela e oportuna.” Em 25 de janeiro, lança ao mundo o convite para voltarmos a atenção ao centro da mensagem cristã:
‘Deus é amor’. Ele nos ama primeiro. Somos chamados em Cristo a amar a Deus (. ). Quando nos fechamos aos irmãos, afirmar que amamos a Deus é uma
mentira. Deus torna-se visível enviando seu Filho ao mundo. Faz despontar em nós a experiência forte de sermos amados por Ele, levando-nos à união do pensar e do querer. Unidos a Cristo, aprendemos a ver com o seu olhar, reconhecendo em cada pessoa a imagem divina. O amor de Deus faz nascer em nós o amor gratuito de doação e de serviço ao próximo.[xiii]
Em outubro de 2005, Dom Luciano completou 75 anos de vida, alcançando o limite da idade canônica para o exercício do ministério episcopal à frente da Arquidiocese. Zeloso e incansável em seus trabalhos, Dom Luciano continuou seu pastoreio em atenção a um pedido da Igreja até que fosse definido o nome daquele que receberá a nobre e desafiante missão de levar adiante, como arcebispo, a vida cristã da Igreja particular de Mariana.
Na festa do centenário da Arquidiocese (1906-2006), o povo de Mariana comemorou também os 30 anos do pastoreio de Dom Luciano, com o anseio de que a Santa Igreja concedesse a graça de manter o querido arcebispo por mais tempo à frente da primaz das dioceses mineiras.
No dia 24 de abril de 2006, Dom Luciano foi homenageado na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, em sessão solene, com presença de muitos sacerdotes, parlamentares, autoridades civis e, sobretudo, amigos, sendo-lhe conferido o título de cidadão honorário de Minas Gerais. Um reconhecimento também em nível estadual, dos muitos serviços civis e religiosos prestados por ele em favor do povo mineiro.
Também no dia 03 de maio de 2006, ele foi distinguido com o título de “Doctor Honoris Causa em Teologia”, conferido pela renomada Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia em Belo Horizonte. Na ocasião, concluindo sua saudação a Dom Luciano, o teólogo Pe. João Batista Libânio – SJ, assim se expressou:
Termino recordando uma frase de Santo Tomás na Suma Teológica, ao definir a eternidade. Peço licença para resumir com ela toda a vida de Dom Luciano. “Interminabilis vitae tota simul et perfecta possessio”. A vida de Dom Luciano foi uma “perfeita posse”. Toda e ao mesmo tempo. De quê? De uma vida interminável de amor, de caridade, de dom de si. Se a eternidade é isso, ele já é a eternidade. Confirma com a vida, o que o teólogo J. Ratzinger em tempos idos escrevia: “Todo amor quer eternidade – o amor de Deus não só a deseja, como a realiza e é”. E recentemente, na qualidade de Papa, escreve na Encíclica Deus Caritas est: “O amor promete infinito, eternidade – uma realidade maior e totalmente diferente do dia-a-dia de nossa existência”, “o amor visa a eternidade.” Assim vive Dom Luciano à luz do ágape-eternidade no seguimento de Jesus a serviço dos irmãos, fazendo tudo, como reza o seu emblema episcopal, In Nomine Iesu.
O Brasil e os brasileiros enriquecem-se no espírito e intelectualmente quando se permitem absorver o que diz e testemunha esse digníssimo Prelado. A essência do pensamento e da vida de Dom Luciano é praticar aquele antigo e sempre novo mandamento: Amar uns aos outros como nos amou e ama o Senhor, nosso Deus.
DE DOM LUCIANO SOBRE ELE MESMO
“Em primeiro lugar, sinto-me chamado a viver o momento presente, sem perder, é claro, a visão do futuro. Sou um homem apaixonado pelo presente, enquanto sei que o presente não volta mais. O passado tem um valor, sem dúvida, na unidade da pessoa, o futuro possui a novidade da surpresa, mas o presente, o que é? É aquele momento de transparência da consciência, no qual uma pessoa é chamada a entrar em comunhão com Deus no evento, a partilhar o sofrimento e a alegria na presença de Deus. Isso me parece bonito: de um lado, porque a pessoa tem sempre algo a fazer, sendo chamada a viver o desafio do momento presente; do outro, tem um pouco de paz, porque cada momento leva consigo uma beleza especial, um pouco da graça de Deus.
Outra característica minha é que me deixo envolver mais pelo sofrimento do que pela alegria, não porque o sofrimento seja maior do que a alegria, mas porque, sabendo com certeza quanto no mundo o sofrimento esteja presente no coração dos homens, sinto vergonha de viver os momentos de alegria. Parece-me que a alegria que existe neste mundo seja um sinal daquela mais plena que um dia teremos, mas que hoje o chamado mais forte seja o de partilhar com os outros os momentos difíceis, o sofrimento, e, exatamente, no momento presente.
Partilhar com os outros o sofrimento faz crescer em nós a experiência do amor: sinto-me chamado a viver o presente e, no presente, a partilhar o sofrimento, a doença, a solidão e, depois, a consciência que uma pessoa pode ter do seu sofrimento, da sua pobreza.
Depois de um dia de trabalho, estou cansado; porém, embora saiba que no dia seguinte terei várias coisas para fazer, se encontro uma pessoa que sofre, sinto-me impulsionado a ir visitá-la à noite. Nem todos entendem o quanto seja importante para mim a vontade de conhecer a grandeza de certas situações que, talvez, segundo outras categorias humanas, parecem pequenas. Não entendem que essas coisas me dão uma força nova para enfrentar os compromissos no dia seguinte.
Outra característica da minha pessoa é uma mistura de amor por esta vida e de desejo da outra vida. Amor por esta vida, porque há muito a fazer; desejo da outra, porque é este mundo, onde há o pecado, que nos faz sofrer. É a mistura do presente com o futuro prometido que impede à vida de ser plena, enquanto a empurra para aquilo que ainda não existe: da mesma maneira, faz aparecer a verdade do seu ser e, ao mesmo tempo, sua situação incompleta.” [xiv]
DOM LUCIANO…
Aquele que se fez plenamente “Dom”, “para que todos tenham vida!”
Em junho de 2006, Dom Luciano dava mostras de cansaço e enfermidade. Em dezembro de 2004, havia se submetido, com sucesso, a uma cirurgia para retirada de um tumor no fígado.
Em novos exames no Hospital Madre Tereza, em Belo Horizonte, e depois no Hospital das Clínicas, em São Paulo, constatou-se o retorno agora mais avantajado do tumor no fígado e sua migração, em menor proporção, para outros órgãos vitais como os rins e pulmões.
No dia 14 de julho, um dia antes da festa da Padroeira de Mariana, Nossa Senhora do Carmo, Dom Luciano foi internado em Belo Horizonte, no Hospital Madre Tereza, e depois transferido para São Paulo, recebendo os cuidados médicos, no Hospital das Clínicas, de uma equipe médica amiga e competente. Todos os esforços e recursos da medicina foram disponibilizados no combate ao câncer, mas em vão. Dom Luciano permaneceu, recebendo o carinho e assistência de seus familiares e de nossos padres como também a solidariedade de todo o povo brasileiro e do exterior, através de correntes de oração e cartas. Aos que o visitavam e em seus escritos, era notável a sua confiança em Deus e na intercessão de Dom Viçoso, na esperança de um milagre, permitindo-lhe a continuidade da vida e de tantos e tantos serviços que queria levar avante. Mas os desígnios de Deus eram outros. No dia 27 de agosto, depois de permanecer na UTI por mais de15 dias, Dom Luciano ouviu do Pai as palavras de acolhimento: “Servo bom e fiel, entra na casa do teu Senhor!” (Mt. 24, 21-23)
Deixou-nos nosso amado e saudoso arcebispo o legado de uma vida santa, vivida no amor incondicional a Deus e no serviço aos irmãos. “Deus é bom”; “Somos todos irmãos”; “Não esqueçam os pobres”, assim nos escrevia nos seus últimos dias.
As homenagens fúnebres tiveram início em são Paulo, na madrugada de segunda feira, 28 de agosto, na Catedral da Sé, centro da capital paulista. Assim que o corpo de Dom Luciano chegou à Catedral, familiares, amigos e admiradores se reuniram em frente ao altar. Durante toda a madrugada e início da manhã, houve muitos momentos de oração e manifestação de carinho e reconhecimento pelo arcebispo.
Em seus funerais, o Santuário de N. S. do Carmo, em Mariana, assistiu a um interminável desfile de rostos: de crianças e anciãos, de mendigos a presidente da República. Rostos índios e brancos, negros e estrangeiros, marcados pela dor e pela esperança. Na face de cada um, a gratidão por aquele que mereceu, como poucos, o título de “DOM”, dom precioso de Deus à Igreja e à sociedade, a Mariana, ao Brasil, à América Latina. Aquele que se fez plenamente “dom”, “para que todos tenham vida”.
Nos gestos e palavras, a felicidade de quem pôde experimentar a luz daquele que carrega a “luz” no próprio nome e a lucidez no coração. O reconhecimento por aquele que foi pai e profeta, plenamente comprometido com a justiça, parceiro dos pobres e dos sem voz. Aquele que, no dizer do Mons. Júlio Lancellot, “foi a prova de que o amor tem nome, tem rosto, tem pés e mãos, o amor tem coração”.
Sua memória se perpetuará como luz em nossos corações e para a vida de nossas comunidades. Jamais esqueceremos daquele seu sorriso divino acompanhado da pergunta inconfundível: Filho, em que posso ajudar?
Ajuda-nos a certeza de que completará sua obra na Arquidiocese agora como nosso intercessor! Obrigado, Dom Luciano. Mais que nos anais da história seus feitos de amor por todos nós estarão inscritos e se perpetuarão em nossos corações, nos corações de seu povo que muito o amou e ama.
REQUIEM PARA DOM LUCIANO PEDRO MENDES DE ALMEIDA
Oh! Apagou-se na Catedral de Mariana
um luzeiro radioso!
Depois de lutar bravamente pela vida durante quarenta e dois dias num leito e na UTI do Hospital das Clínicas, em São Paulo, faleceu piedosamente o Quarto Arcebispo de Mariana, às 18h10min do dia 27 de agosto de 2006, um domingo, curiosamente dia do aniversário de sua crisma, recebida quando criança. Desvelos de médicos não lograram suplantar suas deficiências hepáticas (tumor cancerígeno), renais e pulmonares.
Seu corpo foi primeiramente velado na Catedral de São Paulo com exéquias concelebradas na manhã seguinte, oficiadas pelo Sr. Cardeal Dom Cláudio Hummes e participadas por expressivo número de amigos. À tarde, sua urna, trasladada em aeronave cedida pela Presidência da República, desceu em Belo Horizonte e foi recebida numa Comunidade Jesuíta (ISIS) que quis prestar-lhe uma homenagem de carinho fraterno.
Depois, um cortejo fúnebre, constituído de muitos veículos e organizado pela Polícia Rodoviária, trouxe, em viatura do Corpo de Bombeiros pela Rodovia dos Inconfidentes até Ouro Preto, a urna mortuária. Acolhida ali, na Praça Tiradentes, recebeu uma demonstração pública de saudades e consternação.
E, pelas 21 horas, chegou finalmente à sua cidade, Mariana, Praça Minas Gerais, ocupada literalmente por copiosa multidão.
Foram repetidas, junto a seu esquife em Mariana, as concelebrações eucarísticas (média de trinta sacerdotes em cada uma delas): a primeira, na segunda-feira, defronte a Igreja de São Francisco e, terça feira, no interior da Igreja do Carmo, onde ficou sendo velado, às 7, 10, 13, 16, 19 e 22 horas. Edificava nessas concelebrações o acompanhamento muito sentido dos fiéis com orações e cânticos litúrgicos. Nos intervalos das missas, ainda alguns corais (Cristo Rei, de Ouro Preto, e Mestre Vicente, de Mariana) compareceram e trouxeram ao triste velório sua adesão musical.
A estima universal, que Dom Luciano sempre usufruía durante a sua vida tão simpática, ardeu mais forte nos corações de tantos admiradores, gente graduada mas também e, sobretudo, gente simples e humilde, habituada a receber do pranteado extinto atenções cordiais e constantes. Um doloroso luto cobriu a arquidiocese e, em particular, a cidade de Mariana, que foi sua residência, nos últimos dezoito anos. Os sinos dolentes das Igrejas, de forma quase ininterrupta, esparziram pesar e tristeza pelos ruas, por sobre o casario e pelos ares.
Sabedoras do valor do finado Arcebispo, autoridades de elevado grau não se omitiram: apareceram e se pronunciaram publicamente: presidente da República e esposa, vice-presidente e esposa, governador do Estado, vários ministros, senadores e deputados, inúmeros prefeitos. Os governos federal, estadual e municipal colaboraram, de forma generosa e amiga, para os funerais. Uma guarda solene de soldados (os Dragões da Inconfidência) se manteve junto a eça, todo o tempo. A conceituada empresa Gerdau, controladora da famosa Siderurgia de Ouro Branco, numa atitude de cooperação amiga, responsabilizou- se em oferecer saboroso lanche a toda multidão que veio despedir-se do pastor saudoso. Esse gesto caridoso veio bem ao estilo do Sr. Arcebispo que sempre e muito se preocupava com o bem-estar do povo pequeno. Também foi substancial e generoso o apoio da Companhia Vale do Rio Doce, empresa que aceitou ser parceira da Arquidiocese na preservação de seus bens históricos e, ainda, em várias iniciativas comprometidas com a educação da criança e do menor e com assistência à saúde. Várias paróquias marcaram sua presença com expressivo número de diocesanos e delegações.
Os familiares de Dom Luciano, irmãos e sobrinhos, muito presentes em sua enfermidade, em São Paulo, também se fizeram presentes no velório de Mariana. Trouxeram sua dor e solidariedade ao povo mineiro e tornaram pública a afeição que sempre nutriram pelo irmão e tio querido.
Jornais e noticiários de todo o país, emissoras de rádios e canais de televisão deram ampla cobertura ao aparatoso funeral.
E foi consagradora, sem igual e sem precedente, a calorosa manifestação de apreço e tristeza que envolveu todo o cerimonial de sua despedida, que acompanhou a última celebração e o sepultamento, na quarta-feira, a partir das 10 horas.
O adro e a escadaria da Igreja de São Francisco exibiam uma profusão de coroas e corbelhas de flores com suas mensagens de condolências. Dentre várias celebridades, destacou-se a presença ilustre de três cardeais (Serafim F. Araújo, Eusébio O. Scheid, Geraldo M. Agnelo), do Sr. Núncio Apostólico (Lorenzo Baldisseri), de umas quatro dezenas de bispos, centena de sacerdotes, seminaristas, religiosos e o povo de Deus e povo de Dom Luciano que ocupou literalmente todo o espaço da ladeira da Câmara desde o Carmo, a Rua Direita e a Praça da Sé, onde se ergueu um palanque para a liturgia fúnebre. As janelas e sacadas dos casarões coloniais do percurso, mostrando crepes e tecidos escuros, se paramentaram também de luto para aquela dorida ocorrência. Corporações musicais contribuíram para a tristeza do evento, impondo ao ambiente seus acordes fúnebres.
Dirigida pelo Sr. Presidente da CNBB, Dom Geraldo Magela Agnelo, a copiosa assembléia ali participou, rezou e cantou unida e piedosa. Durante a solene concelebração, não faltou a manifestação de grupos integrantes das causas e bandeiras sociais, abençoadas com o apoio e a simpatia do apostolado de Dom Luciano. Na ocasião, muitos oradores se fizeram ainda ouvir. Merece registro enfático um telegrama da Secretaria de Estado do Vaticano, comunicando a consternação e a presença solidária de Sua Santidade, Bento XVI, naquele nosso sofrimento curtido em praça pública.
Terminada finalmente a missa (14 h), o Sr. Núncio Apostólico oficiou o rito da Encomendação. Ato contínuo, levada somente pelas mãos de seus sacerdotes, a urna atravessou a praça em direção a porta da Catedral, atravessando também a multidão, que se manifestou com palmas, ovações, cânticos e lágrimas. Na cripta, Dom Luciano ocupou a gaveta do meio, abaixo da de Dom Viçoso, local previamente escolhido por ele próprio. Finalmente, sua laboriosa e agitada vida ali encontrou paz e descanso. Ali, bem recebido no grêmio dos dignos bispos marianenses, seus predecessores, ele fica aguardando aquela hora bendita da ressurreição. Seu epitáfio, composto com a participação dos padres do Seminário, ficou assim redigido.
IN DNI PACE HIC QVIESCIT EXMVS DD LVCIANVS PETRVS MENDES ALMEIDA SOCIETATIS JESV SODALIS PHIL SACRAQVE THEOL DOCTOR IMPRIMIS VERO AMORIS CAUSA MAGISTER ADPELLATVS ARCHIEP MARIAN QVARTVS EQVIDEM VERITATIS EVANGELICAE PRAECLARVS PRAECO MITIS PRAESVL PARVVLORVM AC EGENTIVM AFFABILIS PATRONVS IPSE ETIAM BRASILIENSIVM EPISCOPORVM COLLEGIO PRAEFVIT SACERDOS DEI FIDELISSIMVS ECCLESIAM J CH VERE DILEXIT NATVS V X MCMXXX ATQVE DECESSVS XXVII VIII MMVI HANC ECCLES EGREGIE REXIT MENSES TRES SVPER ANNOS DVODEVIGINTI TANTVM PASTOREM OVES MARIANENSES FLENTES DEO ENIXE COMMENDANT DOMNE LVCIANE IN LVCE LVCE
Na Paz do Senhor Descansa aqui / o Exmo. Senhor Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida / Adepto da Companhia de Jesus / Doutor em Filosofia e na sagrada Teologia / mas conhecido sobretudo como Mestre na observância do Amor
/ Quarto Arcebispo de Mariana / Em verdade foi um lúcido Pregoeiro da doutrina evangélica / um Prelado carinhoso / Afável Patrono das crianças e dos necessitados
/ também presidiu a Conferência dos Bispos do Brasil / Sacerdote fidelíssimo de Deus amou verdadeiramente a Igreja de Jesus Cristo / Nascido em 05/10/1930 e falecido em 27/08/2006 regeu brilhantemente esta Igreja por dezoito anos e três meses / Chorosas as ovelhas marianenses recomendam encarecidamente a Deus um tão grande Pastor / Dom Luciano, luze na Luz
Realmente Dom Luciano soube ser, com maestria, um bispo douto, visceralmente comprometido com Deus, pastor cordial que serviu zelosamente a Igreja do Brasil e particularmente as Igrejas de São Paulo e Mariana, as duas dioceses que nasceram gêmeas de um mesmo documento pontifício e histórico, a Bula Candor Lucis Aeternae. E, nesses dois bispados, imitando a majestade do Altíssimo, Dom Luciano foi sim reflexo da Luz Divina.
Serviu com generosidade por quase duas décadas a Igreja de Mariana. Com seu prestígio pessoal alcançou atenções e favores dos governantes para necessidades e prioridades diocesanas em projetos de interesse cultural (restauração de peças musicais) e de educação, restauração de Igrejas e imóveis da arquidiocese. Construiu e reformou os prédios dos seminários. Acolheu no seu clero e acompanhou, com paciência ilimitada, vários sacerdotes.
E muito se empenhou também no serviço a Igreja do Brasil onde sua voz era sempre acatada com respeito e seus desvelos muito conseguiram. Como Secretário e Presidente da Conferência Nacional dos Bispos, conduziu esta Igreja pelo período de dezesseis anos. Representando sempre com dignidade e eficiência nossa nação, aceitou missões relevantes e assumiu cargos destacados em sínodos (12), concílios provinciais, conselhos representativos e importantes assembléias eclesiásticas. Ficou marcada sua atuação em Puebla e Santo Domingo e seu nome se fez conhecido em meios eclesiásticos internacionalmente. Seu valor o elegeu Vice-Presidente do CELAM e o fez membro atuante da Comissão Pontifícia de Justiça e Paz.
Em âmbito mais restrito, centrado no seio de seu aprisco, fica muito bem caracterizá-lo com o belo conceito de luz! Cumprindo a predestinação de seu nome de batismo, ele foi luz, uma luz autêntica, generosa, afável. Alumiou caminhos escuros e vidas sombrias. Incansável arauto do Evangelho, ele repetiu em sua vida aquela alegria que inflamou o coração de São Paulo, levando o sagrado nome do Senhor Jesus em todos os recantos. Aquele lema de seu escudo episcopal “In Nomine Iesu” não foi apenas uma herança tradicional de sua amada Ordem Jesuítica nem foi mero componente artístico de seu brasão, foi antes verdadeiramente um compromisso de apostolado que ele soube observar rigidamente, com excelência. Merece contemplado como um denodado e entusiasmado operário do Evangelho. Através de sua palavra culta e fácil, pelos seus livros e escritos, esparziu com liberalidade os benefícios de uma luz dadivosa, de sua vasta sabedoria e de seu soberano conhecimento. Ele enriquecia bondosamente a todos que o ouviam. Ao longo de sua vida, ele soube ser luz na vida de muita gente. Essa luz agora se apagou perto de nós! Mas lá, no convívio dos anjos, dos santos e da Virgem Maria, ele ganha agora com mérito reconhecido o jubiloso fulgor da vida eterna. Ele imitou o divino modelo, a verdadeira luz que veio ao mundo para iluminar todo homem (Jo.1,9), imitou Aquele que, sem falsear a verdade, pode dizer “Eu sou a luz do mundo, quem me segue não andará nas trevas e terá a luz da vida”.(Jo. 8,12).
Com propriedade, pode também ser lembrado com a imagem da fonte que nada retinha para si mesmo, que abastecia com largueza. Ele se exauriu em benefício alheio; sua entrega foi liberal, sem reservas. Como e extensa a lista de seus desvelos e cuidados no âmbito espiritual! Não escondia seu prazer em conduzir retiros espirituais especialmente de padres, em todas as dioceses do país. Também eram constantes a sua orientação e liderança em promoções de cunho cultural, educacional e social. Sua vida ficou sendo sinônimo exato de beneficência e de filantropia. Imitou de novo o divino modelo que, perto daquele poço que Jacob legou para seu filho José, se revelou fonte de água viva (Jo.4,11) para uma mulher da cidade de Sicar na Samaria. Imitou o divino modelo que veio para servir e não ser servido, que lavou os pés de seus súditos, que passou fazendo o bem, que amou os seus até o fim.
E, com plena justiça, pode-se ainda admirá-lo com o conceito de coração, coração aberto e acolhedor para todos que dele se aproximavam. Sobretudo tinha manifesto carinho com os seus sacerdotes, uma declarada predileção pelos menores, pelos fracos, carentes e sofredores, pelos injustiçados e excluídos. Erguia sua voz autorizada em defesa dessa gente miúda. Não escondia sua figura nem negava sua companhia nestas causas nobres. Os pequenos compunham sua família querida. Viveu e praticou aquele ideal do Magnificat: valorizar os humildes. Mais uma vez, imitou o divino modelo que a todos acudia, que dispensava amparo e favores graciosamente, que sabia perdoar maravilhosamente, que perdoava setenta vezes sete.
Depois de receber, certa feita, insultos gratuitos de um sacerdote laicizado, sacerdote político, Dom Luciano deixou sua residência em Mariana, empreendeu uma viagem e foi visitar cordialmente o ofensor. Em seu coração, não havia espaço para sentimentos de mágoa ou revide que pudessem sinalizar uma reação de se valer da autoridade episcopal sobre injustiças gratuitas que, vez ou outra, o alvejavam; antes, ia sempre ao encontro daquele irmão, adiantava-se para não romper o diálogo e sempre oferecer seus préstimos.
Erudito, poliglota, delicado, despojado, serviçal, amigo são alguns predicados que lhe convêm por justiça e sem favor. Entretanto, “virtuoso” é aquele atributo que lhe cabe melhor . E “santo” é o adjetivo que o veste com precisão. Pois ele foi radical na observância daqueles dois preceitos basilares da lei. Amou de verdade a Deus e ao próximo. E foi longe nessa direção! Com experiência pessoal, ele respirou o ar fétido dos degradantes cortiços da capital paulista, pisou o chão miserável dos barracos das favelas. Pessoalmente, experimentou o desconforto e o frio das madrugadas nas ruas da cidade, quando se dispunha a levar socorro a crianças e aos que dormiam (?) pelas calçadas. Conheceu pessoalmente o ambiente de botequins e bares de esquina onde levou indivíduos famintos privados de alimento. Tantas as suas ocupações, tamanho o seu trabalho que, freqüentemente, só em alta noite ou de madrugada, encontrava condição para levar o consolo de sua visita a enfermos acamados em hospitais. Sim, ele copiou o divino modelo que passou fazendo o bem.
Assim foi a benemérita vida de Dom Luciano, vida que ficou sendo uma histórica bênção particularmente para a arquidiocese de Mariana. Quanto lhe devemos! Com que saudade nos despedimos dele! Mas no meio de nosso profundo abatimento, queremos bendizer, agradecer e adorar os insondáveis desígnios da sabedoria divina. Nós os aceitamos humildemente. Cada um de nós tem sua hora decisiva e o Senhor Deus tem aquele seu momento prometido, anunciado com insistência de remunerar regiamente os trabalhos e a vigilância de seus servos dedicados (Mt.25,23). A hora de Deus é irrevogável. Deus não admite atrasos no momento de remunerar seus servidores devotados. Ele próprio quer premiar os seus amigos diletos. Ele deixou claro que não vai delegar esse prazer a ninguém: é um direito e um prazer seu, intransferível (Lc. 12,37). Ele pessoalmente há de procurar estes felizes colaboradores e pessoalmente irá saudá-los: euge, servo bom e fiel! Dom Luciano sabia muito bem disso e até o momento extremo de sua vida confiou e sustentou, garantindo: “Deus é bom!” Os dias de Dom Luciano se tornaram plenos e ele se fez maduro para o céu!
Agradecemos comovidos sua vida tão benfazeja, agradecemos o legado de seu magnífico exemplo! Que ele, do céu, continue abençoando o rebanho que ele aqui amou extremosamente e pelo qual foi também extremosamente amado.
R I P
Lux aeterna luceat tibi, Domne Luciane
Fonte: SANTIAGO, Marcelo Moreira. et al. Igreja de Mariana. 261 anos de história. 100 anos como Arquidiocese: 1906-2006. Mariana: Gráfica Dom Viçoso, 2007, p. 139-182.
[ii] Trecho extraído da entrevista concedida por Dom Luciano à revista “Mundo e Missão.” nº 55, setembro de 2001.
[iv]Trecho extraído do documento da Câmara Municipal de Santa Bárbara, referente ao projeto de 08/08/1988 que concedeu a Dom Luciano o título de cidadão honorário da cidade.
[v] DIAS, Pe. Geraldo Martins. Dom Luciano – Luz, ternura e serviço. Mariana: Dom Viçoso, 2001.
[vi] FERREIRA, Irmã Francisca Anselma. Dom Luciano – Luz, ternura e serviço. Mariana: Dom Viçoso, 2001. p.78.
[vii] DAMIAN, Pe. Edson. “O Domingo”, nº 20 – 11.04.1999 – http://www. veritatis.com.br
[viii] SIMÕES, Ir. Neusa Quirino. “A Atuação de Dom Luciano na CNBB e no CELAM”, “Dom Luciano. Luz, Ternura e Serviço”. Mariana: Dom Viçoso, 2001. p.43.
[xi] Idem.
[xiii] http://www.correiodesergipe.com
[xiv] Extraído por Pe. Costanzo Donegana e Paulo da Rocha Dias do livro de Ernesto Olivero, Uniti per la pace, Roma, Città Nuova. http://www.pime.org.br/mundoemissao/igrejapobres.htm